Capítulo Três

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Meu corpo implora por um banho.

Levo meu celular para o banheiro e o deixo na bancada da pia. Eu não olho para o espelho. Ligo o reprodutor de faixas musicais e entro no box. O som de Dancing With Your Ghost começa a penetrar nos meus ossos bem na hora em que abro o chuveiro. Fecho os olhos, degustando o jorro de água escaldante.

Eu deixo a sensação da música, misturada ao ruído do líquido caindo, tomar conta de mim. Absorvo a letra, a cadência entra pelos meus poros e começo a me encolher, meus lábios se contorcendo. Apoio as mãos na parede, abaixo a cabeça e deixo as lágrimas rolarem.

Meu choro se mescla com a água fervente, meus suspiros se embaralham com a melodia da canção. Permito que meus sentimentos lúgubres se exteriorizem, nublando minha mente, fazendo meus ossos doerem, meus músculos se contraírem, minhas juntas se retesarem, e concedendo que eles me dominem só por aquele momento.


Assim que termino, abro a porta do box e saio me enrolando na toalha, os cabelos gotejando às minhas costas enquanto cantarolo Tempo Perdido do Legião Urbana. Quando levanto a cabeça e miro na direção da jane... 

— Não deveria ficar assim com visitas em casa.

Não entre em pânico. Finco os pés na soleira da porta e olho adiante. Encaro, petrificada, o rapaz alto, de ombros largos e pele pálida, que contrasta com seus cabelos negros despenteados, o olhar fulminante de um tom incomum de cinza e um sorriso ferino no rosto quadrangular. Zaph aparece encostado com a lombar na janela, os braços firmes cruzados sobre o peitoral coberto por uma blusa Henley preta e um calcanhar por cima do outro.

Fată ciudată — ele diz, malícia escorrendo de seus lábios.

Não entre em pânico, não entre em pânico...

— AAAH!

Entrei em pânico.

Dou um passo para trás e deslizo a porta do banheiro com violência. Apoio as mãos e o dorso na bancada da pia, tentando normalizar a respiração.

Escuto uma gargalhada grave vinda do outro lado da porta, bem na hora em que Dua Lipa começa a cantar Don't Start Now. Meu coração está mais acelerado que o Michael Schumacher!

Viro para trás e desbloqueio o celular, pausando a música. O silêncio se expande até meus ouvidos parecerem zunir.

— Calma, fica calma — sussurro para mim mesma, unindo as pálpebras. — É coisa da sua cabeça. É a falta dos remédios, respira.

Resfolego longamente, tentando me concentrar na frieza do mármore contra os meus dedos. Solto o ar pela boca e sacudo as mãos junto à cabeça.

Dou impulso da bancada com o corpo e abro a porta devagar. O quarto está vazio conforme saio do banheiro, há apenas minha bagunça cotidiana espalhada pelo piso branco e o silêncio. Ufa.

— Viu, boba? Sumiu — reafirmo a mim mesma, quase rindo da minha própria...

— Quem sumiu?

— AH! — Seguro a toalha para ela não cair ao saltar para longe.

Zaph ressurge ao meu lado, ainda de braços cruzados, o olhar caústico me devorando de cima. Ele é... real. Meu coração volta a rufar em meu peito conforme percebo a aura opressora de sua estatura e sua bela feição próxima a mim.

— O que foi? — Um sorriso matreiro brinca em seus lábios e sua voz parece se propagar pelo meu corpo. — Naquela noite você não reagiu assim.

Vermelho Intenso     [ DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora