A neve brilhava conforme minhas pegadas se afundavam na mesma.
O ar frio engolindo qualquer espectativa de vida na floresta a dentro.
Tinha de voltar para casa antes da noite cair. Tinha de pôr alguma coisa na mesa, não suportaria entrar e ver meu irmãozinho Connor com um olhar esperançoso e então, ver minhas mãos vazias, ver a esperança sumir de seus olhos brilhantes.
Era uma merda, tudo isso, era uma merda essa histórias de castas inferiores, mas era o nosso destino, é sempre será, e quando morrermos aquelas criaturas belas de corpos poderosos e olhares egocêntricos e superioridade continuariam alí, sentados em seus tronos, esbanjando sua imortalidade para continuar a nos fazer ficar ajoelhados em um looping eterno, eternamente.
E eles nunca se cansariam disto, nunca se cansariam de nos ver ajoelhados, de nos ver os servir, de nos fazer baixar a cabeça a cada palavra ou letra que saísse de suas bocas.
Essa era a maldição de nós mortais que éramos obrigados a ser submissos aos Imortais.
Os senhores em seus tronos e nós abaixo deles beijando os seus pés.
Era repugnante nos submeter a fazer isto, mas era a única coisa a se fazer, e o que poderíamos fazer mais?
Nada.
Eu segui o caminho, a trilha que eu havia marcado na madeira dos troncos das árvores.
Meus dedos nas luvas rasgadas deslizaram na textura áspera do tronco, sentindo as linhas do símbolo que eu havia feito com a faca de caça.
As armadilhas estavam perto. Pensei. Com sorte alguma lebre teria caído em alguma. Ou até mesmo um pássaro.
Eu suspirei, uma nuvem de ar gelada saindo e pairando no ar diante de meu rosto.
Eu parei diante da primeira armadilha, afastando a neve, em busca de alguma caça.. não havia.
E segui trilha mais a frente, reparando as outras, buscando algum animal preso alí, nada.
Era inverno, os animais pequenos estavam em suas tocas para fugir do frio, e com tanta neve, eles não viriam para estes lados, não há nada para eles buscarem aqui se não o frio e a morte. Não há comida para eles.
Eu suspirei apertando a corda do arco preso às minhas costas contra o meu peito.
Eu não poderia voltar de mãos vazias. Não, eu não poderia.
Meu pai está fraco, meu irmão está tão magro... Eles precisam de comida, não importa se ficarei sem nada, eles tem que comer.
Eu toquei o tronco de uma árvore, vendo seu tronco gasto e raspado.
Raspado, sua casca estava completamente raspada.
Cervos.. havia cervos por perto, e pelo o número de poucas árvores que estavam assim, eles estavam perto, estavam usando os seus chifres para raspar as árvores e comer a casca.
Sim. Estavam perto.
Busquei na neve evidências, e não demorou para eu achar as suas marcas de patas, eles estavam indo para o norte. Encarei o céu pouco nublado acima, mas o bastante para deixar as nuvens cinzentas por toda a parte.
Eu tinha tempo, era um percurso pouco longo, se eu fosse rápida, poderia conseguir pegar algum no caminho, e poderia chegar a tempo em casa.
Eu comecei a seguir as pegadas, sempre atenta, me movendo na neve e por entre as árvores com rapidez, com leveza.
Há perigos, todos sabem, há seres mágicos e monstros nenhum pouco agradáveis, que poderiam matar quem fosse apenas com um bater de presas. E para nós humanos, não adiantaria nem mesmo correr.
Eu saltei um pequeno tronco, meus pés afundando na neve gelada. Que mesmo com as minhas botas gastas, eu conseguia sentir o frio alí.
Eu soltei um lento ofego, chegando por trás de uma árvore coberta de neve, encarando mais a frente..
Um cervo, um cervo adulto..
Ele estava esfregando seus grandes chifres contra o tronco, e busca de alimento naquele gesto.
Eu tirei uma flecha da aljava, encarando vidrada aquele animal, a carne duraria semanas. Semanas! Poderia vender a pele, e conseguir dinheiro por ela, comprar cobertores para a minha família, um casaco novo para Connor, o seu estava muito pequeno para ele, ao ponto de não conseguir ao menos fechar ou vestí-lo direito.
Poderia comprar ervas medicinais para o meu pai... Céus, é uma benção da mãe acima.
Eu me posicionei, puxando a corda do arco, meu coração batendo fortemente, o sangue pulsando em minhas veias como um chamado.
Minhas íris azuis dilataram, uma única respiração.
O cervo ergueu a cabeça para mim, seu olho mel me encarando como uma ameaça, se preparando para correr.
Eu soltei a flecha, o estalo ecoando, a corda do arco batendo fortemente contra o meu pulso. A flecha girou como a benção de um raio, zumbindo no silêncio da floresta que pareceu se inclinar para ver.
O som da neve sendo erguida pelos cascos do cervo em busca da salvação fora a única coisa que ouvi, juntamente do estalo da flecha ao rasgar o pelo e então perfurar sua carne.
Silêncio, a floresta observava, o corpo do animal fora ao chão, sua respiração ofegante, seu peito subindo e descendo diante do ferimento que manchava o branco da neve de vermelho.
Eu caminhei até ele, seus olhos marcando o meu passo quando puxei uma segunda flecha, a mirando nele.
Encarei seu olho mel, a íris que rodopiava em uma bela cor, mas que perderia sua vida em pouco tempo.
Meu olhar era puramente sem emoção além da que eu iria pôr uma caça digna naquela mesa e veria minha família em fim saciar sua fome. Veria meu irmão dormir de barriga cheia, com um sorriso no rosto.
Como uma prece final, o animal baixou o olhar aceitando o seu destino, sabendo que apenas os fortes sobreviviam a morte e os que não conseguiam morriam tentando.
Eu murmurei.
— Entre lebres e raposas. Eu escolhi ser uma raposa.
E disparei a flecha, o tiro final, o que levou uma vida a ruína para salvar outras.
Eu encarei os olhos sem vida do animal, e então eu tirei as flechas de seu corpo, devolvendo a aljava.
Com esforço joguei o corpo do cervo por cima de meus ombros, segurando suas patas enquanto caminhava, indo para casa, levando algo bom para ela.
E quando cheguei na cidade de ferro e vi os olhinhos do meu irmão se arregalaram e ele abrir um sorriso que mal cabia em seu rosto..
Eu suspirei sabendo que este dia eu havia vencido.
Havia vencido, vendo a minha família comer satisfeita, vendo o meu irmão dormir como um anjo.
E tudo mudará quando meu pai me msotrará a carta.
— O que é isto? -questionei pegando a mesma.
Um suspiro dele.
— Os jovens de maior idade estão sendo convocados para a elite de terra e sangue. -ele disse com receio, ao encarar a carta em minhas mãos.
Eu encarei a mesma, o selo derretido na cera vermelha com o símbolo de um dragão. O símbolo da corte de sangue do rei anjo Calian. O símbolo da própria morte em ser.
Eu tive a decência de engolir em seco e a sabedoria de ficar pálida como a neve naquela floresta acima.
Não sabia o que era pior, ser escrava e ver a minha família sofrer. Ou ser convocada para morrer.
*Até o próximo capítulo ☄️ deixem seu comentário e seu voto pfvr ☄️*.
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Céu Vermelho | A Resistência
FantasyNum mundo onde as raças são divididas por números, castas, os 01 que são os Imortais poderosos e os 0 a raça mortal, os humanos. Safira, uma humana de casta 0 assim como todos os mortais, filha de dois escravos luta para sobreviver e caçar para alim...