Eu estava apavorada, destruída. Todos eles haviam me machucado tanto, e eu carregava no meu corpo um peso enorme. O "não" que não era escutado pesava, cansava, doía. O "sim" que não era acolhido trazia um sentimento de impotência, de rejeição. Tudo isso estava impregnado ao meu corpo feito sujeira, como se dentro de mim, colado as paredes do meu útero houvesse poeira misturada à gordura, como se tivesse um lamaçal, como se meu corpo tivesse se tornado um pântano. E em meio a tudo isso ele me agarrou envolvendo meu corpo inteiro, aquecendo todas as partes e repetindo: Eu estou aqui, eu estou aqui, eu estou aqui, eu te protejo, calma.
Respirando pelo meu corpo, soprando ar quente nas partes frias e dizendo, eu vou cuidar de você. A água do chuveiro caía da cabeça até os pés trazendo uma calma que a tempos não era sentida naquele e por aquele corpo. A bucha junto da espuma encontrava cada parte de mim com respeito, com um amor descomunal. Ele não queria que eu fosse dele, ele desejava que eu fosse minha. Ele me tocava de um jeito que eu não lembrava ser possível, nem sei se eu sabia que era possível. Ele não me tocava me querendo ou me desejando, tampouco me rejeitava, ele queria meu bem, de verdade. E o cheiro foi de acre pra um cheiro doce, que eu chamei de amor.
Mesmo assim na minha cabeça eu só pensava que tinha tanta sujeira, tanta sujeira, tanta... Mas ele dizia com a voz calma: Eu cuido de você, calma, eu lavo seu cabelo. E com toda delicadeza ele envolvia meus cabelos entre seus dedos, e com toda delicadeza ele esfregava meu couro cabeludo. E eu tinha que exercer tanto esforço pra receber, era tão duro parar tudo e ter que receber um pouco de atenção. Era como se fosse uma força contrária que eu tinha que frear, a força de estar no comando sempre, de cuidar de tudo. A força de cuidar de mim sempre, e agora eu tinha que fazer força para estar na posição passiva.
Eu nunca havia me dado conta de que estou sempre dando amor, doando ou ao menos querendo dar amor, querendo me doar. Eu nunca havia me dado conta do quanto cansa querer entregar, entregar e entregar, e o quão calmo é receber, o quão simples é receber. Eu nem sonhava que o exercício do amor podia ser assim simples, calmo e silencioso. Sempre houve tanto barulho, tanto estardalhaço, o amor sempre chorou tão alto pedindo atenção, e no fim era só respirar, descruzar os braços e estender as mãos. Era só receber, e receber é tão só, e ser tão só é tão complicado.
Mas eu estou aqui agora, ele está me dando banho tão só, e é tão somente isso. Estar tão só pode parecer solidão ou estado de simplicidade extrema de estar tão só no amor, tão somente, tão sozinha, tão contigo, tão comigo. E é só um banho. Só isso, um banho.
Só então eu pude perceber que "ele" na verdade era só eu. Eu. Não havia mais ninguém comigo. Eu pedi calma para mim mesma, eu disse que cuidaria de mim mesma, eu fui o meu porto seguro.
Mais uma vez eu estava imersa em minha solidão, mas dessa vez o sentimento foi bom, era uma solidão que me ensinava a permitir, permitir que ao menos uma vez eu fosse cuidada, mesmo que por mim mesma. "Ele" foi minha ferramenta, minha projeção, minha fantasia, não era real. Mas o seu cuidado para comigo foi real.
Arabelllaz.
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I am all feelings
RandomIsso é apenas uma coletânea de experiências, memórias e sentimentos. This is just a collection of experiences, memories and feelings.