Adapak

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O filete de luz atingiu as pálpebras de Adapak, alfinetando-lhe a consciência.
Ele desviou o rosto da fresta por onde a lua espiava, piscando enquanto a memória o informava da situação.

Bosta.

Adormecera. O espadachim amaldiçoou o corpo cansado e girou a cabeça cuidadosamente para os lados, sentindo a dor lhe escorregar pela coluna vertebral, punindo-o pelo descuido. Tinha cometido um erro grave.

Quanto tempo havia perdido? Daquele esconderijo, o jovem de 19 ciclos de idade não tinha como saber: a pouca luminosidade que penetrava no depósito era graças as brechas e falhas na madeira das paredes, porta e janela, perfurando as trevas como lanças pálidas querendo feri-lo.

O lugar contava cerca de 7 passos de comprimento por 5 de largura, abrigando um par de estantes com instrumentos de jardinagem, selas, sacos de adubo e ração envelhecida – quem quer que tivesse construído o aposento abandonara-o a vários ciclos, deixando a madeira podre convidar o mofo e a poeira para ali morar.
Irritado, Adapak se levantou, cauteloso quanto ao ranger das tábuas do chão; qualquer barulho, por mais baixo que fosse, era um direito que ele havia perdido. De sentado passou para ajoelhado, colando o ouvido na parede leste: insetos orquestravam sua melodia noturna e nada mais.

Espere.

As tábuas da janela dobraram-se violentamente para dentro do depósito, cuspindo farpas por cima de sua cabeça.
O segundo impacto foi ainda mais forte, permitindo que a luz adentrasse livremente em feixes brancos, queimando a escuridão.
Adapak moveu o corpo para o canto e desembainhou uma de suas espadas gêmeas, Igi.
A lâmina de osso despertou com um silvo ao deslizar no forro da bainha, implorando para que sua perfeitamente branca logo fosse maculada.
Um terceiro baque agora destruía completamente o que antes era a janela do aposento, abrindo um rombo grosseiro para o mundo exterior.

Um deles entrou.

Guiada pelas experientes mãos do espadachim, a lâmina de Igi projetou-se em linha reta, atravessando o crânio da guandiriana pela têmpora direita. Tão rápido quanto entrara, retrocedeu; colorindo as paredes com sangue e massa cerebral. Os dedos compridos da invasora largaram a grande maça de osso que empunhava, acompanhando o corpo pesado e sem vida que desabou desajeitadamente para dentro do depósito.
As pernas de Adapak o recuaram para longe do rombo que havia sido aberto e ele encarou a criatura: espigões e placas encouraçadas brotavam de sua grossa pele vermelha-escura, desenhando-lhe uma grotesca armadura natural ao longo do corpo magro e desnudo de pouco mais de 8 cascos de altura. Por conta da deformidade súbita que a cabeça havia sofrido, o par de olhos involuídos havia saltado das órbitas e as enormes orelhas pendiam frouxas e rasgadas como velas de navio após uma intensa tempestade. A mandíbula, no entanto, ainda preservava a expressão congelada no último espasmo de vida, arreganhando arcada de dentes irregulares. Ainda que a pélvis da guandiriana estivesse voltada para baixo, o espadachim pôde concluir sem dificuldade que aquela era uma das fêmeas-soldados, uma vez que sua coroa de chifres havia sido serrada e as placas encouraçadas não exibiam as típicas tatuagens escavadas dos machos de alto escalão.
Nascidos para violência, Adapak refletiu, limpando a lâmina com a Palma calejada.

Então vieram os guinchos.

Eles invadiram o depósito com uma intensidade ensurdecedora, ecoando pelas paredes e agulhando os tímpanos do espadachim. Ele tapou os ouvidos estimou no mínimo cinco deles lá fora, emitindo um som insuportável para que pudesse enxergá-lo.
Assim que cessaram, os guinchos foram substituídos por frases do líder em sua língua-mãe, ordenandoas às subordinadas que adentrasem o lugar. Adapak as ouviu seduz protestar se permite um sorriso sutil de Vitória; ele era consciente da natureza bruta dos guandirianos, mas sabia também que o medo do desconhecido fazia parte de quase todas as espécies de Kurgala e seus inimigos não eram exceção; tinham visto um dos seus entrar naquele pequeno armazém e ter a cabeça destroçada - espaço agora termina o mesmo destino. […]

O Espadachim De CarvãoOnde histórias criam vida. Descubra agora