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- O tempo para escolher as duplas acabou, por favor sigam as instruções da equipe e sigam para a arena de jogos. - A voz feminina irritante soa pelos alto-falantes - Vou repetir: O tempo para escolher as duplas acabou, por favor sigam as instruções da equipe e sigam para a arena de jogos.

Os guardas de vermelho e máscaras bizarras que até então estavam nos cantos da sala apenas observando finalmente se movem, se posicionando atrás de nós e à nossa frente. As portas na lateral da sala se abrem e nós seguimos os guardas.

O número 347, minha dupla, é um medroso. Assim que a voz soou nos alto-falantes, ele levou um susto e se agarrou à manga do meu casaco. Eu puxei e puxei de novo, tentando fazer ele soltar, mas ele simplesmente agarrou mais forte. Droga, não arranjei uma dupla, arranjei um carrapato.
Enquanto atravessávamos a porta, pude ouvir a nº 212 gritando com os guardas, dizendo que ainda não tinha uma dupla. Ela não vai morrer. Se fosse morrer, já teríamos escutado o tiro. Mas isso não importa.

As luzes da arena de jogos se acendem. A primeira impressão que eu tive foi um vilarejo em miniatura, com paredes, luminárias e becos. Um grande vilarejo em miniatura, com uma luz alaranjada que dá uma impressão de filme mexicano ou de fim de tarde. Parecia muito com um labirinto. Percorro minha memória tentando pensar em qual poderia ser o possível jogo.

Nada.

Não eram os mesmos jogos que eu jogava na Coréia do Norte. Sabe como é, cultura diferente, jogos diferentes, infâncias diferentes.

Um dos guardas para de andar e se vira para nós.

- O jogo de hoje será jogado em duplas, onde os integrantes da dupla se enfrentarão. - Sinto uma onda de alívio percorrer meu corpo. Eu estava certa. E Ji-yeong não morreria por isso. Quer dizer, talvez morresse, tudo depende da capacidade dela em ganhar o jogo. Espero que ela vença. - Vocês jogarão bolinha de gude. O primeiro da dupla que conseguir todas as 10 bolinhas de gude de seu adversário, vence. Deixaremos o jogo em si e as regras para que vocês decidam. Nenhum tipo de violência é permitida. Vocês terão trinta minutos - O timer na parede começa a contar.

Dito isso, um guarda se aproxima de nós e faz um sinal para o seguirmos. Ele nos guia até um beco, entrega um saquinho para mim e um para o nº 347, e então toma seu lugar a poucos metros de nós. Será que esse cara nunca vai soltar a manga do meu casaco?

- O que vamos jogar? - Pergunto, abrindo o meu saquinho e tirando uma das bolinhas.

Nunca joguei bolinha de gude. Era uma coisa "para meninos". Mas meu irmão… Ele sim era bom nisso, sempre que saía para brincar, voltava com muito mais bolinhas do que tinha saído de manhã.

- Nunca jogou bolinha de gude, não é? - Nº 347 pergunta. Sua cabeça careca reluzia com o suor. Não respondo a sua pergunta, apenas fico encarando a bolinha de gude em minha mão. Percebo ele relaxar um pouco. Provavelmente estava achando que teria uma chance melhor por isso. Doce engano.

- E então? O que vamos jogar? - Pergunto de novo, ainda sem olhar para ele. Essas bolinhas são bonitas. Por que usá-las para algo tão trivial quanto jogá-las na areia? Nº 347 abre seu saquinho e finge pensar por um momento. Agora ele já está bem mais confiante.

- Simples, vamos fazer uma pequena cova no chão. Quem acertar mais bolinhas lá dentro, vence. - Ele fala, já começando a cavar o buraco. Ele está pedindo para morrer, não é possível. Ou ele realmente acha que homens tem uma mira melhor que mulheres? Não é como se eu sempre tivesse tido uma boa mira, mas meu irmão mais velho tinha chegado a me ensinar algumas coisas antes de morrer.

- Quem começa? - Pergunto, já preparando a bolinha que lançaria primeiro. Era uma transparente com marcas azuis. Azul é a cor da sorte.

- Eu começo - Ele responde, secando o suor de sua testa com a manga da blusa. Ele está suando como um porco. Ele se prepara, ficando atrás da marca delimitada, que é de cerca de 1.5 metro da cova. Mas ele não joga a bolinha. Ele para, seca o suor, pisca várias vezes, fecha os olhos com força, murmura palavras sem sentido, mas não joga.

Eu espero. Afinal, temos 30 minutos, e ainda que o jogo só fique tenso depois que metade das bolinhas tenham sido jogadas, tem algumas pessoas que são do contra. Quase 1 minuto se passa até que o jogador 347 decida jogar a bolinha.

No começo, pensei que a bolinha ia entrar na cova, e realmente poderia ter entrado, mas não, ela parou cerca de 2 centímetros de distância. O que significava que ele tinha perdido uma das 10 chances.

O jogador tem uma pequena crise de decepção e desespero, mas logo se acalma e sai do caminho, para que eu pudesse tomar o lugar e jogar a bolinha. Conseguia sentir meu coração na garganta, batendo com tanta força quanto era possível. Respiro uma vez. Respiro outra vez. Relembro a estratégia que meu irmão tinha ensinado.

Se posicione levemente à direita do alvo, ou esquerda, depende da mão com que você vai jogar.
Imagine todo o caminho da bolinha até o alvo.
Jogue a bolinha para cima, e mire 3 centímetros à frente do alvo.
A bolinha vai quicar e cair na cova.

É exatamente isso que faço. A bolinha cai um pouco à esquerda da cova. Eu já imaginava que não ia acertar de primeira. De qualquer forma, ainda consegui que minha bolinha caísse mais perto da cova do que a bolinha de meu adversário.

Não acerto a segunda bolinha. Nem a terceira. Nem a quarta. Nem a quinta. Mas o jogador 347 também não conseguiu acertar nenhuma, e estava indo de mal a pior. Ele estava começando a acertar cada vez mais longe da cova.

Finalmente, quando lanço a sexta bolinha, ela cai na cova. Uma onda de alívio me percorre, soltando do meu corpo uma tensão que eu nem sabia que estava lá;

O jogador 347 começa a se desesperar, passando as mãos na careca lustrosa e andando de um lado para o outro.

- Seque suas mão e se controle - Falo pra ele - Vai acabar se matando se continuar assim.

Não me leve a mal, não é que eu não queira vencer. Mas também não há honra em vencer um adversário que não tem condições mentais de batalhar.

Ele conseguiu acertar a próxima bolinha. E foi apenas aquela. Nenhum de nós dois conseguimos acertar mais bolinhas na cova. O placar terminou 1x1. Só faltavam 3 minutos para que o tempo acabasse.

Muitas das duplas já haviam terminado o jogo. Eu ouvi os anúncios de todos que morreram.

“Jogador 199 eliminado” Ali.
“Jogador 001 eliminado” O velhinho.
Além de muitos jogadores que eu não conhecia. O que importava é que até agora o nº 240 não tinha sido eliminado.

- Um de nós tem que vencer, sabe? - o nº 347 falou, recolhendo 10 das bolinhas na areia. - Um de nós tem que ganhar, senão os dois morrem. Eu não quero morrer com você. Não não não. Vamos jogar um desempate. Isso, um desempate. - Era quase impossível saber se ele estava falando comigo ou consigo mesmo.

Afinal, ele estava falando comigo. Uma última partida. Quem acertasse a bolinha na cova (ou chegasse próximo disso) venceria.
Ele decidiu jogar primeiro. E para meu alívio, e me sinto muito mal em dizer isso, ele errou. Agora só dependia de mim. Me preparo, seco minhas mãos na calça, escolho uma bolinha e jogo.

Ela faz um percurso totalmente torto durante o que me parecem horas, mas por alguma obra do universo, ela bate numa pedrinha e muda sua direção.

Ignoro todo o resto do mundo. Por agora, era apenas eu, minha bolinha, e a cova que ela tinha que acertar. Ela rola, rola, rola, rola e rola. Muito lentamente para o meu gosto. Olho para ela com expectativa, como se a simples força do meu querer pudesse fazer ela acertar o alvo. Por fim, ela cai na cova.

Suspiro de alívio e alegria. Tinha ganhado. Mais um passo de volta para casa. De volta para meu irmão. Fico por um longo tempo ali, olhando sem acreditar para a bolinha e a cova. Só volto para a realidade quando o tiro é disparado e o corpo de meu adversário cai com um estrondo na areia ao meu lado.

Conseguimos... JuntasOnde histórias criam vida. Descubra agora