Felicidade

115 16 13
                                    

" Felicidade. É uma visita que nunca toca a campainha, já chega fazendo festa. Se arrumamos a nossa casa pra recebê-la bem, ela não vem. Ela tem hábitos imprevisíveis. É uma amiga querida. É um abraço sincero direto na alma. É aquilo que encaixa perfeitamente no seu sorriso. É um brigadeiro de leite ninho com nutella. É acordar tarde no feriado. É amar e ser amado. "

- Essa merda continua aqui. - Penso alto, a voz ofegante e as pernas cansadas pela corrida rápida. O sangue ainda correndo pelas veias, mesmo me acomodando no primeiro balanço infantil que avistei, enfim descansando. Era impressionante que, mesmo com tantos anos depois, aquele brinquedo conseguia suportar seu peso. - Continua do mesmo jeito que me lembro.

Mesmo estando sozinho naquele lugar, o sol ainda dormindo, era possível sentir a energia de crianças travessas, correndo e rodopiando pelo parque, ouvir as risadas altas de alegria e, se fechasse os olhos, conseguiria visualizar cada uma delas brincando nos seus diversos brinquedos.

Eu odiava aquele lugar. Me fazia lembrar de coisas que preferia esconder às sete chaves, trancafiado na gaveta mais escura do meu quarto. Foram muitos momentos bons, momentos ruins, e momentos com ele. Na realidade, tudo me lembrava à ele.

Vir para cá era como abrir um baú cheio de recordações dele. Recordações essas que por muitas vezes não eram agradáveis.

A verdade é que, mesmo odiando, eu continuo a frequentar esse inferno nas madrugadas mais frias, quando eu precisava de um aconchego, uma companhia, um conforto. Quando precisava de um pouco dele.

Eu nunca admitiria, mas ali era o único lugar onde eu me sentia em casa. Justamente por ele ter passado por ali.

Gostaria de apenas fingir que não estive aqui. Passar na frente dos balanços e cangorras e sentir apenas o nada. Mas quando eu menos esperava, já estava com a cabeça à anos atrás, pensando nos poucos momentos felizes que presenciei. E, porra, todos eram com o maldito nerd de merda.

Olhando para o lado, quase conseguia visualizar com perfeição os cabelos verdes, o rosto corado pela timidez excessiva, ombros caídos, seus olhos grandes e verdes, como duas bolas de Natal, fitando o chão de modo nervoso, mordiscando o lábio e, ora ou outra, mexendo as perninhas curtas, no objetivo de se entreter com aquilo.

- O que faz aqui?

A pergunta saiu mais ríspida do que deveria para uma criança de cinco anos. Com os braços cruzados e a cara emburrada, encarei aquela moita ambulante com irritação. Estava no meu lugar, afinal.

- E-eu estava apenas... é-é... brinc-cando...

Fiz uma careta.

- Sozinho?

- Sim... não t-tenho muitos amig-gos...

- Hum... bem, vá brincar em outro lugar, esse é o meu balanço! - Digo firme, pisando o pé forte no chão, como uma boa criança birrenta que eu era.

- Eu... ahn... eu posso brincar c-com você?

Mas que atrevido. Ele não acha que preciso de alguém para me divertir, acha? Idiota.

- Ahn? Quanta coragem pedir uma coisa dessas, pirralho.

Eu também era um pirralho, catarrento e mal-educado por sinal, mas não me importei em chamá-lo assim. Era nítido que eu era o mais velho, logo, na minha cabeça, eu tinha direito.

Caminhei com o nariz empinado, peito estufado, me sentindo o maioral, indo em direção ao campinho de areia para construir o maior castelo que aquele alface já viu em sua pequena vida. Mas então me senti estranhamente sozinho.

- Você não vem? - Perguntei, olhando para trás e esperando o pequeno me seguir. Afinal, qual a graça de construir algo maravilhoso para ele, se o indivíduo em questão não estiver lá?

O esverdeado demorou para entender que falava com ele. Abriu um grande sorriso, que cobria todo o seu rosto e deixava à mostra suas covinhas. Corei. Fofo. Desceu de forma rápida e desajeitada do balanço, correndo em minha direção de modo que quase tropeçava em seus próprios pés. Fofo e atrapalhado.

De primeira eu o achei bem irritante. Desengonçado, gaguejava demais e não sabia fazer absolutamente nada. Um inútil. Tinha momentos em que eu jurava que iria o mandar calar a boca e sair do meu caminho.

Mas então ele sorriu. Não uma, mas várias vezes. E não com a boca, e sim com os olhos. Grandes e brilhantes, se parecendo com esmeraldas, e estavam direcionadas a mim, me olhando com admiração. Se aproximava, me elogiava, ria e me cobria de sensações boas. Era incrível como ele me fazia me sentir especial, mesmo o xingando de burro e gritando algumas vezes.

Passamos a tarde inteira construindo castelos, correndo pelas árvores, pulando nas poças e brincando de super-heróis. Discutimos um pouco no último, queríamos ser o All Might. Eu venci. Mas tudo bem, eu o salvei de ser atacado pelas minhocas gosmentas. Foi a primeira vez que alguém me chamou de "meu herói", e amei a sensação de ser chamado por um título tão importante.

Cansados de tantas aventuras, voltamos para os balanços, dessa vez cada um em seu devido lugar. O dia já estava um pouco nublado, o sol indo embora aos poucos, nos lembrando de que logo iria escurecer e deveríamos seguir nossos caminhos, separados. Sozinhos. Me senti triste.

Direcionei a minha atenção à ele, e corei de forma fraca ao ver que ele já me fitava, com um sorriso no rosto. Só então percebi que seu rosto era banhado por sadas minúsculas. Segurei a vontade de contar cada uma delas.

- Tenho que ir. - Sussurrei.

- Meu nome é Izuku. Izuku Midoriya.

- Katsuki Bakugou.

- Me diverti muito com você hoje, Katsuki-chan. - E me beijou, na bochecha, de modo tão genuíno e puro, pulando para fora do parque e correndo de volta para sua casa, gritando - Voltarei amanhã.

E ele voltou. Denovo e denovo. Mesmo quando o chamava de Deku e lhe dava milhares de socos pelo seu corpo. Voltava a me dar aquelas sensações boas.

Felicidade. Em todos as suas voltas, ele me dava felicidade.

Droga, estou chorando denovo.

Sinto falta desses momentos, Izuku.

Sinto falta de você.

Uma Memória FelizOnde histórias criam vida. Descubra agora