- Primeira posição.
Ela nos observava como se conseguisse ver em nós, a adolescente bailarina que havia sido um dia.
- Segunda posição – se aproximou de mim e com gestos elegantes e bem controlados, mostrou-me a maneira certa de executar o passo. Uma poesia parecia ser declamada pelo seu corpo enquanto ela se movimentava com destreza, e isso me invejava – Terceira posição. Olhe meus pés Danielle. Sua postura é ótima, Gabriel... Quarta posição.
A música clássica nos acompanhava ensaio adentro. Apenas eu e Gabriel estávamos na sala de ensaio, apoiados na barra de metal em frente ao espelho que ocupava a parede. Executávamos os passos básicos do ballet ao som de Beethoven e sob o olhar atento de Ingrid.
- Vocês sabem que amanhã será a apresentação – ela dizia prestando atenção em nossos braços, mãos, pés, pernas, alinhamento do corpo e cabeça – Eu não vou admitir nenhuma falha. Por isso, se for preciso, viraremos a noite nesse ambiente e erraremos aqui o que não erraremos no palco. Entendido?
Ela não pedia uma resposta, por isso eu e Gabriel continuamos nos alongando para começarmos a sequência da coreografia que viria a seguir.
Gabriel era o bailarino preferido de Ingrid e o melhor da academia, por isso ninguém ousava contrariá-lo. Já havia feito três solos e tinha uma paixão tão grande pela dança que me deixava sem ar todas as vezes que dançávamos juntos. Ele era bonito, apesar da expressão sempre séria, fechada e fria e raramente sorria. Até mesmo os elogios não faziam efeito sobre ele, pois Gabriel nunca se achava bom o suficiente e isso o fazia buscar por uma perfeição quase inalcançável.
Apoiei uma perna sobre a barra de metal suspensa em frente ao espelho que se estendia por toda a parede, e a segurei nessa posição por alguns segundos, admirando, pelo reflexo, o rapaz ao meu lado. O rosto bonito possuía olhos escuros e uma boca consideravelmente grande. Os cabelos eram desalinhados e constantemente penteados para trás pelos dedos longos. As pernas eram longas e firmes e seu corpo era magro e com músculos nos lugares certos. Surpreendentemente, Gabriel não possuía a estrutura delicada que muitos garotos adquiriam fazendo ballet, mas mesmo com toda sua estrutura, ele conseguia ser gracioso dançando e dançava com uma paixão única.
Minha relação com Gabriel era quase nula até sermos escolhidos para apresentarmos uma rotina no Congresso Internacional de Ballet que aconteceria na noite seguinte. Nos três anos estudando ballet juntos, eu apenas o observava de longe, intrigada. Gabriel era diferente de todos os garotos que eu já havia conhecido em meus 15 anos de ballet e, sem conseguir fazer esforço nenhum para resistir, eu havia me atraído por ele.
- Certo. Vamos começar. Primeiro vamos passar uma sequencia sem música – Ingrid se afastou e cruzou os braços no peito enquanto eu e Gabriel nos posicionávamos no centro da sala – Tendu frontal, Danielle... Gabriel terceira posição... – Ingrid suspirou vendo-nos na posição inicial. Pisquei algumas vezes, olhando para os olhos sempre inexpressivos de Gabriel – 5,6,7,8... e 1,2,3,4,5,6,7,8... Arabesque... plié... 1,2,3,4...
Executamos os passos com precisão, meus olhos e os de Gabriel não se desgrudavam, e isso acontecia em todos os ensaios. Ele era tão seguro no que fazia que me deixava um pouco insegura.
Em certo momento, ele me levantou pela cintura e me rodou com elegância pela sala, então me pousou no chão levemente para realizarmos o pas de valse...
Acabamos a sequencia após executarmos as piruetas e Gabriel me segurar pela cintura, me fazendo ficar próxima dele, com uma mão sobre seu peito. Respiramos fundo, nos olhando por segundos.
- Droga! – murmurei me afastando.
- Me fale seus erros, Danielle – Ingrid estava com as duas mãos nas costas, me fitando com seu olhar exigente e duro.