Quatro horas depois, o ensaio terminava.
Estávamos exausto e era possível ver alguma satisfação nos olhos de Ingrid.
Isso não era motivo de sentir orgulho de mim mesma.
A academia de dança já estava vazia. O relógio devia estar perto de marcar meia noite.
Fui ao vestiário, troquei de roupa e transformei meu coque em um rabo.
Quando voltei à sala de ensaio para me despedir, Ingrid conversava com Gabriel. Não haviam me visto, por isso fiquei parada na porta, ouvindo o que falavam.
- Convidei alguns amigos meus da escola de teatro Bolshoi para assistir a sua apresentação – ela dizia calmamente – Você deve saber que todo ano a escola abre vagas para bolsistas.
- Sim, ouvi falar... – a voz de Gabriel soou um tanto indiferente, o que me surpreendeu. Afinal, Ingrid não estava falando de qualquer escola brasileira de ballet.
- Não querendo desmerecer Danielle, mas eu apenas a coloquei nessa apresentação porque sabia que você iria se destacar mais que ela. Ela é uma boa bailarina, mas precisa aprender muito ainda – A voz de Ingrid não mudava de tom – Eu estou te dando uma oportunidade única, Gabriel. Espero que você aproveite.
Comprimi os lábios, sem acreditar. Ingrid estava me usando... “mas precisa aprender muito ainda”.
Eu havia passado 15 anos da minha vida fazendo ballet para ouvir que eu era uma bailarina de nível médio? Pisquei algumas vezes, sentindo um nó subir minha garganta. Eu precisava ir embora...
- Alô, mãe?
- Dani? – sua voz estava um tanto grogue. Eu a havia acordado – Está tudo bem, querida?
Sorri, olhando para os lados. A rua estava vazia.
Ligar para minha mãe sempre me fazia ficar melhor. Com 19 anos, eu morava sozinha na capital apenas para poder continuar meu ballet. O ballet sempre foi tudo para mim. Meu passado, meu futuro, meu mundo... Mas isso parecia se desfazer aos poucos.
- Está tudo bem, mãe... desculpe ter ligado tarde.
- Não, querida, tudo bem...
- Quem é Mirian? – ouvi a voz de meu pai ao fundo.
- É Danielle – respondeu minha mãe rapidamente – volte a dormir!
- Como está todo mundo aí? – perguntei entre um sorriso e um choro reprimido com muito esforço.
- Bem... Seu pai não muda, seus irmãos...eles estão crescendo e eu... – ela riu, não com desdém, nem com ironia, mas sim feliz – continuo sendo dona de casa, minha filha.
- Estou com saudade – murmurei andando lentamente até o ponto de ônibus que tinha ali perto.
- É saudável sentir saudades, querida...
- Mãe! – exclamei ao ouvir a frase que eu não queria ouvir. Ela devia dizer: eu estou com saudades também.
- Como vão os ensaios? – perguntou mudando de assunto.
- Bem.
- Bem?
- Uhum... Normal...
- E... Você vai fazer testes para entrar em alguma companhia ou escola?
- No final do ano – respondi já sem muita certeza.
Ficamos em silencio. A ouvi respirar do outro lado da linha e meu único desejo era de abraçá-la forte. Me sentir protegida.