Há cerca de trinta minutos que o claro céu azul havia se transformado no amontoado de nuvens escuras de onde a chuva torrencial despencava sem parar.
No vidro embaçado da janela as gotas pareciam apostar corrida e no telhado compunham uma canção.
A água e o vento arrancavam algumas das poucas folhas vermelhas que ainda adornavam as árvores da rua enquanto, dentro da casa, o calor morno lutava contra o frio do fim de outono.
Já era quase inverno e o aquecedor elétrico exibia sua luz vermelha no meio da sala.
Sobre as poltronas estavam empilhadas caixas. Sobre a mesinha de centro um livro aberto na primeira página onde, escrita a caneta e com caligrafia delicada, havia uma dedicatória.
Uma das janelas tinha a cortina branca fechada e era através da outra que vinha a fraca luz que iluminava os porta-retratos sobre a estante de madeira.
Diversas fotos estavam ali, mas em todas sempre o mesmo casal apaixonado.
Caretas, beijos, abraços, mãos dadas, sorrisos e risadas...
Em algumas a paisagem era aquela mesma sala, onde agora no sofá, entre algumas cartas abertas e espalhadas, o rapaz dormia e sonhava.
Sonhava com um desses dias...
Com a maneira como ela mordia o lábio e apertava os olhos sempre que planejava algo suspeito. Com a forma como sempre confundia os dias da semana e certa vez acordou cedo e se arrumou toda para o trabalho em pleno sábado.
Sonhou com sua joia favorita, seus sapatos favoritos, sua roupa favorita e como ela vivia perdendo tudo isso dentro do próprio quarto.
Era ele quem sempre encontrava.
- E é por isso que você é meu namorado favorito. - ela provocava.
...E ele se fingia de bravo.
- Quer dizer que tem outros namorados? - e uma luta de mentirinha começava.
Como crianças os dois pulavam sobre a cama. Corriam pela sala, ao redor da mesa da cozinha e de volta pro quarto. Se arremessavam travesseiros, almofadas, bichos de pelúcia e um ao outro na cama, que era onde sempre tudo terminava.
Sonhou com seu mau humor matinal e com seu pijama de coelhinha. Com a maneira como ela se largava no sofá e pegava uma revista. E como então, nem quinze minutos depois, ela cochilava.
Todos os presentes que trocaram e todas as coisas que ela ainda queria.
Sonhou com como ela ficava linda quando estava irritada e ainda mais magnífica quando sorria.
Sonhou com mais um dia... E mais um dia...
Sonhou com o quanto a amava! (Céus... E como ele a amava...)
Com o quanto ela era especial e com tudo que um dia eles fariam...
- Juntos! - eles diziam e se beijavam.
E então era ele quem a provocava.
Ela ria, retrucava e ameaçava:
- Olha lá, ein! Eu te ponho pra dormir na sala!
Que era justamente onde agora ele estava...
Foi o vento que entrou de repente e fez uma das portas bater e um dos porta-retratos cair.
Ainda sonhando, meio dormindo, meio acordado, ele chamou:
- Sofia?
Mas sem ouvir resposta ele lembrou...
...E chorou.
Não...
Ela não estava mais lá...
...Nunca mais estaria.
E na dedicatória do livro apenas as palavras...
"Até que a morte nos separe.
Com amor. Para sempre sua...
Sofia."