Prólogo

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Dante

Aeroporto Internacional de Roma Leonardo da Vinci - Itália

Por mais que eu odiasse despedidas, sempre imaginei que, no dia que eu decidisse ir embora, estaria tão feliz que nada me faria contestar aquela decisão. Porém, ali no aeroporto, já prestes a embarcar, percebi que existia uma pessoa capaz daquilo.

Sempre me senti como um total estranho dentro da minha família. Mas aquela garota diante de mim era o meu único ponto de conexão ali dentro.

Paola e eu tínhamos apenas um ano e dois meses de diferença um do outro. Ela tinha vinte e três e, eu, vinte e dois. Dentro do clã dos Marinelli, éramos as duas peças soltas, que destoavam completamente do que nossos pais esperavam de nós. Na visão deles, eu deveria me interessar pelos negócios da família – um verdadeiro império do ramo de automóveis de luxo. Já a minha irmã, deveria ser uma doce moça à procura de um bom marido que pudesse assumir a parte dela dos negócios. Ela só havia cumprido a parte sobre ser doce.

Eu não cumpri parte alguma.

— Queria ter a sua coragem para ir tão longe — ela confidenciou, parada diante de mim, ambos em frente ao portão de embarque.

Da Itália para o Brasil era realmente uma distância e tanto. Estava, hoje, fazendo o caminho inverso que meu avô materno fizera há quase quarenta anos. Graças a ele eu tinha alguma fluência no Português, já que tinha sido alfabetizado em dois idiomas. Isso facilitaria muito a nova vida que eu pretendia construir por lá.

— Sabe que pode vir comigo se quiser — declarei.

— Quem sabe eu vá algum dia? Se o vovô tivesse me deixado terras em outro país, como fez com você, talvez eu me aventurasse. Mas ele me deixou imóveis aqui mesmo na Itália.

A desculpa perfeita para eu decidir ir embora da Itália fora uma herança. Nosso avô materno havia falecido há dois meses e deixara algumas coisas em testamento para os três netos. Para Paola, dois apartamentos em Roma. Para Vicenzo, nosso irmão mais velho, deixou algumas propriedades no interior da Itália – que ele certamente sequer iria visitar.

Já para mim, veio a herança mais inusitada: uma fazenda, localizada no interior de São Paulo, no Brasil – país onde meu avô tinha nascido e vivido boa parte de sua vida, antes de se mudar com a esposa e a filha para a Itália.

Por mais louco que aquilo pudesse parecer, logo que o testamento foi lido e eu soube sobre aquilo, tomei a decisão mais radical da minha vida: largar tudo e me mudar para o Brasil.

Não tinha qualquer pretensão de ser um fazendeiro, mas planejava vender as terras e, com o dinheiro delas, recomeçar a vida. Provavelmente aquilo me daria renda suficiente para levar uma vida confortável, mas eu pretendia usar para conseguir me estabilizar, cursar uma faculdade em um curso de algo que eu realmente iria gostar de fazer, e... seguir a minha vida.

Uma vida bem diferente da que os meus pais desejavam para mim. Porém, para a minha sorte, Vicenzo realmente tinha sonhos de assumir o comando da empresa, e isso permitia que meu pai, por mais que odiasse as minhas escolhas, já estivesse conformado e decidido a não gastar sua energia tentando me convencer do contrário.

Já ia me despedir de Paola, porque precisava mesmo embarcar. Mas detive-me ao ouvir uma voz chamando o meu nome. Virei-me, vendo nosso irmão vindo em minha direção.

— Não acredito que você vai mesmo fazer isso — Vicenzo falou, parando diante de mim. — Pare e pense no que está fazendo da sua vida, Dante.

— Na verdade, estou justamente tentando começar uma vida, Vicenzo.

Ele, então, iniciou aquele discurso já mais do que repetido. Parecia até mesmo ensaiado:

— Nosso pai é o homem mais rico da Itália, Dante. Um dos dez mais ricos do mundo. Veja se tem cabimento você largar tudo isso para trás para bancar o fazendeiro do outro lado do oceano.

— Não pretendo fazer isso. Vou vender as terras de nosso avô.

— Poderia simplesmente fazer isso e voltar para casa.

— Não existe voltar para casa, irmão. Ouviu o que nosso pai falou, não ouviu? Se eu saísse, não deveria voltar.

— Aquilo foi da boca para fora. Sabe que se a notícia da sua fuga aventureira vazar, vai enchê-lo de vergonha. Ele te aceita de volta no momento que for, para evitar isso.

— Desde que eu ou vá trabalhar na empresa dele ou não trabalhe em lugar nenhum? Não, muito obrigado.

— Eu juro que não compreendo o que você tem na cabeça. Na verdade, o que vocês dois têm. — Ele desviou os olhos por um momento, olhando para Paola. Nossa irmã tinha sido a primeira a envergonhar a família, há três semanas, quando também saiu de casa para morar sozinha em um dos apartamentos que nosso avô deixou. O plano dela era vender o outro para conseguir se manter, concluir sua faculdade, arrumar um emprego e... ser livre. Assim como eu.

— Algumas pessoas simplesmente têm sonhos diferentes, Vicenzo — respondi.

— Um sonho para a pobreza? Vocês são dois inconsequentes. Tenho certeza de que logo cairão em si. Vão ver que aventuras não enchem barriga e voltarão implorando o perdão dos nossos pais.

Pensei em responder muitas coisas a ele. Dizer que era um exagerado, porque o dinheiro que eu conseguiria na venda da fazenda – algo certamente na casa dos milhões – daria para viver de forma muito confortável até o final da minha vida, especialmente porque eu não tinha qualquer necessidade de maiores luxos e ostentações. Sem contar que eu pretendia, também, trabalhar. Fazendo algo que gosto.

Eu pretendia ser feliz. E sabia que minha irmã também.

Talvez, algum dia, tanto eu quanto ela também viéssemos a ter nossas próprias famílias, formadas com pais presentes, diálogo e amor. Bem diferente da que tínhamos até ali.

Esperava que, mesmo com seus objetivos tão focados em dinheiro, Vicenzo também conquistasse isso, algum dia.

— Sabe que nossos pais não se preocuparão com nossas ausências — rebati. — Eles têm você para assumir a empresa. É o filho mais velho, afinal.

— O filho mais velho e homem — Paola lembrou, remetendo ao fato de que nosso pai já tinha deixado claro, inúmeras vezes, que jamais daria um cargo de chefia a ela.

Antes que Vicenzo pudesse dizer qualquer coisa, um alerta sonoro informou a chamada para o meu voo para o Brasil. Puxei meu irmão para junto de mim, abraçando-o, ainda que ele não se mostrasse muito adepto a demonstrações de afeto daquele tipo.

Eu não o culpava, afinal. Sendo o mais velho, a criação dele tinha sido mais rígida do que as nossas, e foi nos ombros dele que, a vida inteira, foi jogado o peso da responsabilidade futura. Ele sempre se dizia orgulhoso disso, dizia realmente desejar assumir o comando da empresa... mas eu não sabia até que ponto aquilo era realmente um desejo dele e não meramente algo colocado em sua mente.

— Pensa bem no que você está fazendo, meu irmão... — ele reforçou, enquanto eu o abraçava.

— Não há o que pensar, já tomei a minha decisão.

Soltando-o, abracei Paola, e precisei me manter forte diante do choro que ela deixou vir à tona. Eu sentiria a falta dela mais do que de qualquer outra pessoa.

Por fim, peguei minha bagagem de mão e me afastei, acenando para meus irmãos enquanto atravessava o portão de embarque.

Rumo à minha nova vida...

***** 

Os Gêmeos do Milionário Italiano - DESGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora