Espártaco levantou-se, a água pingando do queixo quadrado, grossas gotas ainda presas em concavidades e antigas cicatrizes marcadas no rosto áspero por anos de uma existência violenta. Quantos anos? Não sabia. Há quanto tempo ausentara-se da Trácia? Não se lembrava. Essas coisas não eram importantes, de todo modo. Enxugou o rosto em um pedaço de pano oferecido pelo pajem. Tinha pajens, agora, o escravo revoltoso. Seguiam-no de bom grado, ainda que a revolução caminhasse para um desfecho terrível. Comandava quinze mil homens. Vinte mil, talvez. E pensar que, há quase três anos, saíra de Cápua com setenta outros escravos, revoltosos como ele, cansados das crueldades e dos desmandos de Batiato.
Ouvia o vento que soprava sobre a planície às margens do Sele, onde seu grupo acampava. Via as tochas e os fogareiros agonizantes entre as barracas de seus companheiros. Não era um exército, apesar de, no decurso da revolução, terem vencido cinco Legiões em confronto direto. Mas Crasso cercava-os agora. Comandava seu próprio exército, além do que restava das Legiões consulares, soldados previamente derrotados pelos escravos, ansiosos por vingança. O sol despontava sobre as colinas da Lucania. Lúgubre, Espártaco estremeceu.
Não havia nada a fazer além de aguardar, afinal. Ele sabia que os homens de Crasso construíam uma trincheira ao norte, mas vinha evitando as escaramuças. Seu próximo ataque deveria ser direto, visando o coração do exército inimigo. Derrotar apenas agrupamentos não seria eficaz, já que os números invertiam-se: cinquenta mil soldados inimigos, quase três para cada homem de seu exército. Preocupava-se. Mas estava cansado. Passara a noite em vigília, em companhia às sentinelas. Foi até sua barraca, decidido a dormir um pouco.
O sono veio, manso e suave, sem sonhos ou agitações de qualquer ordem. Então despertou com alguém que o chamava, tocando-o levemente no ombro.
— Senhor. Senhor. – reconheceu a voz do pajem. Abriu os olhos, ergueu-se, de má-vontade.
— O que é, Claudius?
— Soldados romanos, senhor. Aproximando-se ao norte.A informação foi o bastante. Espártaco saltou de seu catre, amarrando o cinturão da bainha e disparando ordens contra o ajudante.
— Rápido, Claudius, ajude-me a vestir minha armadura.
O jovem, também sem perder tempo, aproximou-se e ajudou seu senhor a amarrar as tiras de couro que ligavam as duas placas de bronze destinadas a proteger o peito e as costas do combatente. O bronze estava fosco e, aqui e ali, ainda exibia manchas de sangue que resistiram às sessões de limpeza à base de areia e azeite.
O gládio seguro na cintura, a loriga firmemente presa ao torso, o ex-gladiador abandonou a tenda e encaminhou-se ao limite do acampamento. Muitos homens já estavam lá; outros, ouvindo os gritos de alarme, dirigiam-se à posição de batalha. Alguns reduziram o passo a fim de acompanhar seu general. As fileiras se abriram para permitir a passagem de Espártaco, seus homens bateram espadas em escudos em comemoração à chegada do líder. O Trácio não disse nada. Acenou brevemente para seus companheiros, virou-se para medir as forças inimigas. Uma Legião se aproximava, tomava todo o amplo vale à frente. Milhares de homens. Estimou pelo menos quarenta mil. Seria uma batalha difícil...
Um cavaleiro se adiantou das fileiras romanas. Vinha com as mãos erguidas, em demonstração de paz. Espártaco caminhou à frente, o homem a cavalo chegou até ele.
— Venho da parte de Cneu Pompeu Magno. Ele gostaria de falar com o líder deste exército. – mediu o homem que o falava. Era um pajem, também, via-se pelo porte e pelos modos.
— O que o grande Pompeu tem a tratar com um simples escravo revoltoso?
— Isso eu não saberia dizer, senhor. Ele apenas me pediu para trazer a mensagem.Espártaco ponderou por um instante. Decidiu aceitar.
— Pois diga a ele que venha. Será bem-recebido.
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Espártaco e as Inimigas
HumorEspártaco, comandante da Terceira Guerra Servil, recebe uma proposta irrecusável.