Ofegante, caminho por avenidas e mais avenidas. Os raios solares vem de encontro ao meu olhar moribundo, embora estejam em busca de ceder sua luminosidade, eu definitivamente não quero aquela luz.
É cômico perceber cada agradável sensação, mas não senti-las. Como a calçada que é intensamente colorida pelo calcário branco, o bálsamo fornecido pelas flores, as crianças desfrutando de sua infância, ou a corrente de ar que parece me abraçar por inteiro.
A inexistência do álcool corroendo o meu estômago faz com que eu pareça ser observado por cada mulher, cada homem e cada pequenina criança de forma que pudessem enxergar o rompimento em minha alma, o vazio em minha existência.
Retraio-me, eu sou patético, não sou capaz de ao menos andar livremente na rua. Como um assassino no tribunal, um pecador no juízo final, sendo averiguado por cada ser que me encara — nem que seja por um mísero segundo.
Somente suspeitar que eles saibam dos meus erros, traz uma inquietação incontável. Também pudera, nessa manhã decidi ir a um grupo de ex-alcoolistas. Francamente, falar sobre ser um homem doente não me desobstruíra. Qual é o motivo pelo qual estou agindo tão estupidamente?
E então, a resposta surge. Acompanho com o olhar uma folha seca rodopiar ao som das buzinas e estatelar-se no asfalto, sendo rapidamente desmanchada pelas rodas do carro. Não consigo acreditar que esqueci, nem que tenha sido por um reles segundo.
É por ela, é tudo pela Ivy. Gostaria de gritar aos quatro ventos que ainda me lembro quando a pedi em namoro e recebi uma de suas risadas. Honestamente eu mataria para encontra-la novamente, nem que fosse por um instante.
Era mais uma tarde de outono, as folhas alaranjadas abandonavam seus lares e por um efêmero momento se tornavam independentes. A corrente de ar oscilou levemente as madeixas da mulher que tanto amei. A garota mantinha-se sentada na grama, contemplando a lótus que fracamente lutava pela vida, me fazendo questionar nesse instante se a minha esposa também guerreou para continuar existindo.
Aquele não era o meu melhor momento. Embora tivesse uma grande caixa de bombons em minhas mãos, o uniforme escolar que geralmente utilizava com desgosto se encontrava amarrotado e o meu cabelo gotejava suor.
— Senhorita Butler...
Para a minha sorte ou estreme azar, os olhos impactantes de Ivy se cruzaram com os meus, embora a minha aparência não fosse das melhores, recebi um sorriso adocicado, o mesmo que ela me deu por todos esses anos.
— Olá, my big love! O que a sua futura esposa pode fazer por você? — A jovial me questionou, seus olhos castanhos emanavam fluidez.
Se anteriormente meu rosto já se encontrava rosado, naquela hora estive em uma tonalidade ruborizada, desde as minhas bochechas gordinhas às orelhas.
Os olhos amáveis e fofos de Ivy piscaram inocentemente, ela possivelmente questionava o porquê do meu nervosismo. Era óbvio o amor mútuo que sentíamos, não é comum a troca de olhares que ocorria entre nós dois, os incidentais esbarrões e os flertes dela que sempre me provocavam rubores.
— Não diga isso! — pedi, um pouco mais alto do que deveria — Me desculpe, é só que... — Novamente se tornou mais uma tentativa frustrante.
A menor se ergueu, alinhou a sua saia amarelada e se aproximou, cada passo da garota causava o meu recuar. Percebi na face da garota que se divertia com a minha timidez, portanto, quis descobrir o porquê de tal comicidade.
Levei a mão esquerda ao fino pulso da jovem, meus olhos castanhos sussurravam à garota para que se entregasse. Naquele momento exalei um nível de coragem que nem sequer sei de onde veio.
A púbere nem ao menos se deu conta quando aproximei nossos corpos fazendo com que a caixa de bombons despencasse e espalhasse seu conteúdo na grama. Honestamente encontrá-la de maneira tão inibida me fez entorpecer da cabeça aos pés.
Os estudantes que saíam do instituto educacional aos poucos cessaram seus passos para nos observar, também pudera, embora ambos fôssemos amigos desde os dezesseis anos nunca havíamos nem mesmo insinuado alguma tensão romântica.ontudo aqui estamos nós, após dois anos de amizade, os conceitos mudaram.
A maioria que nos observava sabia sobre a minha timidez e era esperado o meu recuar; contudo naquela tarde de outono, preferi surpreendê-los, principiei uma risada curta e me aproximei da moça, ela não possuía escapatória alguma.
Lembro de conduzir a minha mão direita à bochecha rosada e suave de Ivy enquanto levemente pressionei a região com o polegar. Ainda que sentisse cada partícula de minha alma se desesperar, me permiti zarpar no desconhecido.
Ao perceber um sorriso vivaz na face da mais baixa, captei o que a mesma desejava, me aproximei ainda mais, meu coração saltitava por ter reconhecido a respiração calorosa da jovial cada vez mais próxima.
O amargo eflúvio de café que provinham de seus lábios era capaz de me deixar em êxtase, apesar de haver olhares desconhecidos fixados em nós dois, nem mesmo ligávamos. A ânsia por sentir o gosto um do outro era tão grande que aparentávamos estar em outro plano existencial.
Em vista disso, nos adiantamos e levemente sentimos pela primeira vez os lábios ressecados um do outro.
A respiração ainda mais pesada e o comprimir de pálpebras proporcionou uma sensação única, como se houvéssemos acabado de adentrar no paraíso e de certa forma, entramos.
Encabulado, sem compreender o próximo passo, suavemente levei o braço direito à costas da minha parceira no mesmo momento em que nossas testas constantemente se esbarravam.Seu hálito amargoso e ao mesmo tempo viciante se mesclou com o doce sabor de balinhas que provinham dos meus lábios. Definitivamente a mesclagem faz com que pouco nos interessássemos em respirar, naquela hora acredito que nem ao menos lembrávamos como exercia tal função.
Com completa certeza não me arrependi por guardar o meu primeiro beijo a ela.
Entretanto burburinhos puderam ser captados fazendo com que eu me sentisse incomodado, nunca quis ser mal visto, mesmo que nos amássemos e apenas estávamos demonstrando isso. Portanto compreendendo o meu desconforto, a jovial recuou e forneceu um sorriso banhado por satisfação à mim que mantinha o rosto avermelhado.
Embora houvesse uma multidão de jovens nos encarando, Ivy sorriu e exclamou o mais alto que pôde:
— Eu amo-te!
Centrei a minha atenção à jovial, em sua expressão de calmaria, nos seus fios cacheados que dançavam ao som dos ventos e no sorriso que mantinha na face, era real. Ivy Bellini realmente me amava, naquela hora tudo o que consegui fazer foi corar e em um sussurro inaudível proferir que desde quando a vi pela primeira vez sabia que ela era a minha amada.
Agora, escondo o meu choro, me livrando dos clamores de socorro ao som das buzinas. Eu nunca mais poderei admirá-la, ou ouvir suas declarações de amor. Meus passos cessam, preciso de um tempo. Mais olhares se centram a mim, percebo nojo, pena e cólera nos julgamentos alheios, eles ao menos sabem o motivo do meu pranto.
Em um momento como esse, tudo o que quero é recebê-la em meus braços enquanto sussurra que tudo ficará bem. Acho que se eu unir as pálpebras e me manter determinado, ainda consigo vê-la com o seu sorriso infantil, a aura que emana pureza e os olhinhos cintilantes capazes de iluminar os dias mais infelizes.
— Edgar? — Uma voz ofegante me retira de todo o meu devaneio.
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Orgulhoso & Apaixonado
Kısa HikayeO alcoólatra, Edgar Bellini, se vê em um impasse: é orgulhoso demais para se desculpar com a esposa, mas muito apaixonado para esquece-la. No entanto, tudo muda no bar, quando um desconhecido se oferece a aconselha-lo. Mal sabia ele que após ouvir a...