BÔNUS: ANGÚSTIA (OLIVER)

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Meu corpo esgoela-se sob o terno, indignado pelo o que aconteceu. Sempre repeti para mim mesmo que era importante desapegar-se aos poucos de quem amamos e entender que em algum momento, todos vamos para caminhos diferentes. Mesmo assim, encontra-la de maneira tão... inquietante faz com que os meus ideais evaporem.

Há sete bilhões de pessoas no mundo, por que entre tantas, ela precisou morrer?

O choro é a maior forma de expressão dos sentimentos, e é muito comum. Não há porque segurar, entretanto, vislumbrar o rosto sereno dela faz com que a minha alma se comprima. Necessito expelir a inquietação que me preenche, mas simplesmente há um bloqueio.

Talvez eu seja incapaz de chorar, pois lágrimas não demonstram o que nós dois vivemos, desde o primeiro contato à descoberta de minha orientação.

Ainda me recordo do dia em que nos conhecemos. As luzes reluziam graciosamente, o teatro Redford nunca esteve tão repleto de jovens. Curioso, observei o grande letreiro e vi o nome dela brilhar, eles realmente estavam empolgados por causa de uma apresentação de piano? Comprei um ingresso e me sentei ao fundo.

Os burburinhos se centravam na moça sorridente encima do palco. Por estreme azar meus olhos não eram capazes de vê-la perfeitamente, mas aparentava ser apenas mais uma pianista iniciante.

A moça cantava como se sua voz estivesse embargada por angústia. Seu tom de voz, profundo e ao mesmo tempo firme causava contentamento na multidão.

Sorri, odiava aquela música, ela podia ser interpretada como um término de relacionamento ou uma morte, e ambas opções nunca foram agradáveis.

Apenas supor que essa poderia ser a minha realidade me fazia sentir um altíssimo nível de perfurações em meu peito, como se mil alfinetes entrassem em minha pele.

O corpo dela bailava de um lado para o outro ao soar das notas. Focava-me nos ruídos calmos e melancólicos, ouvi-la dedilhando fazia o meu coração visitar o céu enquanto passeava por nuvens de algodão, sem compromisso, sem dor ou receio.

Cada nota tocada refletia o quanto a mesma amava tocar piano, embora não fosse a melhor.

Ivy declamou cada letra com serenidade enquanto estava cansado e aflito. Ela repetia o refrão como se enunciasse toda a dor para seu amado, senti um fluido, como um rio, escorrer pelas minhas bochechas morenas, almejando o fim de sua trajetória. Eu não as cessei, sabia que logo choraria novamente.

Escutei a jovial levemente se calar, as mesmas mãos que mantive paradas, aplaudiam. Meus olhos contemplaram o deleite de cada um que a ouviu.

— Obrigada! — A mais nova agradeceu com lágrimas em seu rosto moreno

Extenuado, me levantei com a multidão que lhe contemplou, simplesmente foi extremamente angelical.

— Eu gostaria que vocês fizessem uma fila, nem que eu demore um dia inteiro para falar com cada um, eu irei! — A mulher se levantou.

Agora meus olhos se encharcam, não por prazer ao escuta-la dedilhar no piano, mas sim por saber que jamais ouvirei sua sinfonia novamente.

— Oliver, eu comprei os crisântemos — Escuto uma voz longínqua, não me dou o trabalho de mexer músculo algum.

Continuo estático, talvez assim a inquietação me deixe, nem que seja por um instante.

Sinto o frescor da corrente de ar levemente me abraçar, estou procurando conforto em cada sensação banal. Embora seja em vão.

As estrelas começam a surgir, entusiasmadas para descobrir quem é a sua nova colega, pois certamente Ivy estará junto delas. Claro, se ela já não se encontra nos observando com aquele doce sorriso nos lábios.

Pensando bem, aos poucos percebi aquela felicidade espontânea desaparecer. Infelizmente, o seu jeitinho amável lhe impedia de me contar o porquê de encontra-la chorando em seu quarto ou me pedindo para pelo menos estar ao seu lado nas apresentações. Ivy já se encontrava morta.

Percebo uma presença se aproximar, movo meus olhos lentamente, com medo que a dor inquietante retorne.

— É lindo, não é? — Edgar questiona inflexível.

— O que é lindo? — pergunto vagarosamente.

— O brilho nas constelações, nunca fui de contemplar o céu, mas em meu primeiro encontro ela me fez deitar na grama e observar as estrelas. — O homem ri.

— Isso é a cara da Ivy, se empenhar para reproduzir cenas clichês de filmes românticos. — Meus lábios rosados se comprimem.

— Sim, me fez até mesmo procurar animais nas estrelas enquanto nem mesmo uma cobra eu encontrei.

O silêncio paira, apenas escuto os prantos de familiares e orações longínquas.

— Por que está me falando sobre isso agora?

O mais alto sorri, embora seus olhos estejam avermelhados. Edgar disse simplista:

— Por mais que eu me esforce, não consigo encontra-la nas constelações... Mesmo ela tendo me dito que se tornaria uma estrela quando partisse.

Percebo um fluído escorrer pelas minhas bochechas e parar na gola do terno, era como se aos poucos minha alma estivesse sendo lavada, purificada.

— Meus pêsames.

— Você consegue vê-la?

— Eu nunca a verei nas estrelas, mas Ivy sempre estará em minha memória... Era a única mulher que nunca me olhou com desprezo, mesmo quando contei sobre tudo resguardado em meu peito — confesso.

— As minhas lembranças se tornaram pó quando a vi nesse caixão — Edgar desabafa em um reles sussurro — Eu morri, mas meu corpo permaneço vivo.

Pouco a pouco enfraqueço, me sinto despido em um inverno escaldante, fragilizado e logo perecido.

— Gostaria de vê-la novamente, abraça-la, deitar em seu colo e... chorar. — Suas preces não são para mim, ele clama à Deus. — Eu morreria no lugar dela.

Desprendo meus lábios, mas logo os unifico. Não sei o que dizer, me sinto tão mal quanto ele.
É isso? Tudo o que sou capaz de fazer é ouvi-lo e simplesmente me calar? Sou inútil a esse ponto?

Em meio ao desconforto mental, percebo a paz vagarosamente surgir em forma de um abraço acolhedor. Conduzo o meu campo de visão à direita, recebendo assim uma de minhas melhores cenas em meio ao caos. Kyle, o homem que tanto amo, entrelaçou seus braços em meu corpo, mesmo ele, alguém que sempre possuía resposta para tudo, se encontrava ali, desamparado, recolhendo e entregando conforto.

— Vai ficar tudo bem. Eu estou aqui contigo — O mais alto sussurrou. — Edgar, eu sinto muito, mas ela jamais aceitaria a sua morte — Meu marido confessa embora ele mesmo saiba que palavras nunca confortarão o coração de nosso colega.

Orgulhoso & ApaixonadoOnde histórias criam vida. Descubra agora