Jeremias: Inglaterra, 2011

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Não existia nada pior do que o primeiro dia de aula.

Ah, e não existia nada pior do que ser um imigrante no primeiro dia de aula.

Por mais que eu sempre sonhasse em estudar fora do meu país, minha família havia tentado me desanimar de muitas formas, e confesso que eles eram muito bons nisso.

Meu foco sempre foi os Estados Unidos, principalmente com as novas ideias para imigrantes e as diversas bolsas estudantis que o governo vinha implementando no país. Mas, sabe como é, né? Eu sabia que a maré poderia virar a qualquer momento, já que meu país não era subdesenvolvido e eu era latino.

Não, eu não falava espanhol. Acho que é importante frisar isso.

Quando recebi a minha carta de aprovação de Oxford, algo que só tentei por tentar, não realmente esperando ser aprovado, eu fiquei de duas formas: apavorado e espantado.

Apavorado, porque eu sairia do meu país. Por mais que eu quisesse fazer intercâmbio, o meu objetivo nunca foi a Inglaterra. Nunca tive a vontade de conhecer a rainha, de tirar fotos no castelo de Buckingham ou de estar naqueles orelhões vermelhos gigantes. Meus objetivos eram outros. Eu havia me preparado mais para estar nos Estados Unidos do que na Inglaterra. É claro que eu poderia ter ido para alguma universidade americana, mas quem rejeitaria Oxford? Fora isso, eu também estava morrendo de medo de não entender nada do que eles pudessem falar, já que para mim, o sotaque era muito forte. Havia aprendido o inglês americano e estudado sotaques, contudo no dia a dia, não era o britânico que eu optava por me comunicar;

Além disso, meu espanto apareceu pelo fato de que eu sou burro.

Tudo bem. Eu era um dos mais inteligentes da minha turma. Eu estudava, não costumava ir a festas para estudar, enquanto meus amigos saiam e tranquilamente estavam na sala no dia seguinte, não era muito falante — o que fez meus pontos de participação nunca serem altos — e bem... eu não era muito incentivado para sair de casa, como deu para perceber.

Minha mãe sempre me tratou como um bebê, seu filhinho querido. Dizia que não queria que eu saísse da sua barra, mesmo que isso fosse o que eu mais queria. Confesso que cortou o meu coração ver as lágrimas nos olhos dos meus pais quando os deixei no aeroporto e entrei na fila de embarque.

Sabia que eles estavam felizes por mim, mesmo que vivessem dizendo "o que eu tenho, eu tenho. Dinheiro não é uma realidade, então você deveria adequar os seus sonhos conforme o seu poder aquisitivo".

Eu odiava isso.

E por raiva, estudei muito. Me cobrei demais. Fiz loucuras — o que não indico — mas me formei em uma ótima universidade pública, e agora, estava prestes a iniciar um mestrado em teatro e escrita cinematográfica em umas das melhores universidades do mundo.

Como?

Eu não fazia ideia.

Mas aqui estava eu, doze horas de viagem depois em terras britânicas.

Quando deixei o Brasil, minha mãe havia dito que eu deveria tomar cuidado, não andar com fones de ouvido, não mexer na minha carteira em público e não aceitar doces de pessoas estranhas. Naquele momento, eu fingia estar pleno, atuando ouvir seriamente suas indicações, mas por dentro, eu estava achando fofo. Todos aqueles conselhos eram os que ela me dizia desde os meus dez anos de idade.

Na época, eu ainda utilizava aparelho bucal, era magrelo, cabeludo e estranho. Hoje, mesmo com meu tênis sendo doado, gasto e de dois números a mais do que o meu, minhas roupas não serem de marca e quase sempre furadas, minha aparência não era tão ruim. Segundo a minha irmã, a minha altura, meu jeito tímido e meu cabelo escuro e levemente cacheado conquistava todas as mulheres, mas segundo ela também, minha palidez não era um atributo que elas achavam muito atraente.

Me Deixe Ir (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora