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MEMORIAS PERDIDAS 

LIVRO 1

  Eu não lembro de porra nenhuma, ou quase porra nenhuma, e o que quero gritar para o psicólogo, já faz quase um ano onde sou obrigada a sentar e falar sobre como venho lidando com a perda de memória, lidar com esse buraco bizarro e estranho dentro da minha cabeça que parece um buraco negro cheio de lacunas em branco onde poucas vezes as cores aparecem, embora quase sempre de forma desordenada.    

   O acidente me levou tantas memórias que ainda tento juntar cada peça de quem eu era, ou de quem eu sou agora. Talvez eu nunca vá saber e seja preciso fingir por completo tudo pra todos, até para mim mesma, eu finjo o tempo todo, me engano dizendo que estou bem quando na verdade seria fácil saltar no pescoço de alguém e o esganar até sabe se lá aonde, talvez a morte? isso pelo menos me colocaria em uma categoria de doida perigosa e não uma que consideram sofrida e sem vida por ter esquecido de si mesma e por ser odiada por aqueles que deveriam ser minha familia e me acolher. Claramente muita gente esquecer que uma boa familia e algo raro nos dias de hoje.   

   A bêbada aqui bateu o carro na ribanceira, capotou, acertou a cabeça, quase duas semanas internada e de sequela tirando o braço quebrado e joelho deslocado, uns roxos e pele arranhada, tive só apenas as memórias que faltam. Claro que ainda tenho lapsos, ainda esqueço coisas do dia anterior, mas nada grandioso, passei o último ano longe da cidade onde morava e onde o acidente aconteceu, mas estou prestes a voltar, eu me lembro o suficiente de como e ser designer e meu antigo chefe ofereceu o serviço que eu tinha dizendo que eu costumava ser a melhor, vou passar um tempo na casa de uma tia até que eu tenha meu próprio canto, sinceramente estou voltando apenas pelo serviço, pois minha família e o último motivo, na verdade eles sequer entram na lista, não sei como era nossa relação, mas a julgar pelo pouco conviveu que tive com eles, nos odiamos até o âmago, quer dizer, não sei se os odeio, mas não tenho qualquer sentimento bom sobre eles não.  A típica pessoa cheia de problemas com os pais, na verdade com todos os membros, talvez a tia Rebeca seja a única que tenta se salvar, a filha dela me odeia e eu nem sei o motivo e o marido diz que sou louca. Uma insanidade atrás da outra, ou talvez eu que tenha sido a insana de fato e eles estão apenas reagindo a isso. 

   -Sabe que estará em um ambiente hostil ao retornar a sua cidade.

   O encaro sem muita vontade assentindo.

   -Sim, total ciência de que e uma completa estupidez voltar para a droga de uma lugar onde pelo visto eu era uma vagabunda desgraçada.

   Essa e a definição dada por algumas pessoas que deixou um depoimento em algum desses post do Instagram que conta das grandes notícias na cidade, e web bulling em um nível estratosférico, mas ignorei boa parte já que se não me lembro então não e de mim que estão falando, claro que a outra xingou dentro da minha cabeça por horas seguidas me dizendo que eu deveria correr atrás deles com um facão, quem sabe uma serra elétrica. A violência para ela sempre parece ser a resposta.

   O psicólogo me encara e deve estar ainda tentando entender minha decisão, mas estou cansada de ficar nessa clínica de reabilitação, não sou uma drogada e meu cérebro não vai rebobinar as memórias perdidas, ele não está tentando e nem eu, se eu era tão ruim a vida está me dando uma chance de recomeçar. Pelo menos acho que esta. Estou querendo recomeçar onde nasci e mesmo sabendo os risco de acabar tentando me matar sem nem estar bêbada decidi aceitar o desafio.

   -Sabe que não recomendo tal ação, mas se considera uma coisa pela qual tem que passar posso lhe oferecer apenas suporte, precisa entender que sua mente pode sofrer mudanças com tudo isso, pode sim ser mudanças boas, mas tem grande chances de mudança ruim.

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