3

3 0 0
                                    

   Estou sentada na porta, no mesmo lugar em que ela estava ontem a noite. Acordei quase dez horas e tive que escrever algumas coisas. Sonhei com o acidente ou acho que era meu acidente, embora parecesse mais um pesadelo já que tudo girava rápido demais, e então tudo parava. Acordei nessa hora.

   Está o dia frio, não parece que vai chover, mas estou de agasalho, fecho os olhos sentindo o vento, a sensação e boa e me traz algo bom. sei que minha prima esta em casa já que posso ouvir sua risada que vem de dentro da casa, não sei como ela e, mas se ela parece com minha tia e bonita, embora eu não deva dizer o mesmo de sua personalidade já que se fosse como a mãe e provável que tivesse vindo falar comigo, há outra voz junto a dela, uma voz masculina e sinceramente da pra entender bem o que estão fazendo lá dentro, nada contra, mas não sou uma voyeur então entro para dentro do quarto ligando o notebook e procurando uma musica qualquer, meu dia passa assim, sem movimentação e comigo falando sozinha com a pessoa que tem dentro da minha cabeça e que anda gritando bastante me chamando de medrosa, não esta errada, mas nesse momento e esse medo que me impede de ir atrás de quem eu era e descobrir algo que me faça ficar pior. Já estou quebrada o suficiente.

   arrumei o guarda roupa separando as peças primeiro por tamanho e então por cor, o que resultou em vários montes muito pequenos, acho que assim que voltar a trabalhar a primeira coisa que vou fazer será comprar, roupas que vou gostar mais, menos cores, e sapatos também, tenho agora exatamente dois tênis , uma sandália de dedos e uma chinela, pelo menos deu para perceber nessa arrumação que eu gosto de roupas e de opções, muitas opções, cada uma das que eu pensava em combinar ficava ruim, provei uma delas em conjunto e foram poucas que as cores ornavam entre si e causavam uma boa harmonia, meu chefe que eu ainda não consegui fazer meu cérebro registrar seu nome havia me mandando alguns arquivos e pedido que eu trabalhasse em cima do que alguns clientes desejavam para suas casas, essa meio que foi a forma de comprovar para ele e para mim mesma que eu era capaz de voltar ao trabalho de verdade, me senti bem ao executar o serviço e nem mesmo o psicólogo teve motivos para dizer o contrario e ate mesmo pediu umas dicas para seu próprio consultório dizendo que isso poderia ajudar mais seus paciente a se sentirem a vontade nas sessões.

   E não e querendo me gabar, mas fiz um serviço muito bom, como eu já havia dito esse foi o motivo que me fez optar por voltar a morar na cidade onde tudo aconteceu e onde há uma gama grande de pessoas que me odeiam, volto a mim mesma quando percebo que a playlist escolhida começa a ser triste demais, não que eu não goste, mas preciso me forçar a não acabar indo parar na zona onde eu só vou em afundar ainda mais na pessoa que surgia nos dias ruins durante a internação, desligo a musica ouvindo agora o som da vizinhança, estico meus braços alongando todo o corpo logo em seguida, escrevo outro email, esse um pouco mais longo contando sobre em como pensei por um longo tempo no meu serviço e em como isso me deixa animada e bem comigo mesma, sei que vou obter uma resposta apenas no final do mês quando vou ter um relatório geral e uma chamada de vídeo, tanto o neurologista quanto o psicólogo querer ver minha cara e saber se minhas palavras são verdades, mas no fundo sabem que para mim palavras tem um grande poder e usar elas em vão e a maior burrice que o ser humano faz para consigo mesmo e os outros. eu poderia escrever um livro todo só falando disso, de como as palavras e suas ramificações podem construir e destruir e acho que já deve haver algo assim escrito, afinal a frase palavras tem poder existe, mas esse seria do meu ponto de vista, seria a forma com que eu vejo as palavras na minha vida. envio tudo isso no email, eles querem que eu diga exatamente o que se passa na minha mente, já me ouviram falando sobre tudo, até coisas que muitos diriam ser depravadas, mas não para elas que diziam ser minha mente trabalhando para reconstruir o que foi perdido ou pelo menos da um rumo no que restou.

   Com frequência sinto as lacunas que se preenchem com qualquer coisa só pra dizer que tem alguma coisa nelas mesmo que o que coloquem logo deixe de existir, ai começam tudo de novo.

   Agradeço quando minha tia retorna do serviço, me trouxe uma barra de chocolate dizendo que eu deveria provar, eu comi uma na clinica, inclusive a dividi com Joe que parecia uma criança com olhos brilhantes, mas não digo a ela, sei que tem boa intenção.

   -Obrigada.

   Digo em um aceno abrindo a barra e lhe oferecendo, ela nega dizendo que não e muito fã de chocolate, minha parte infantil ri por dentro agradecendo já que assim sobra mais para mim, ela repreendida pela parte adulta que esta constantemente tentando ser responsável.

   -Caso tenha interesse em ir a feira, ela começa as oito, só seguir pela rua a esquerda até o final, vai ver o logo mais a frente, na ultima gaveta tem um pouco de dinheiro que encontrei na sua casa pra que possa comprar algo se quiser.

   Esta mesmo focada em me fazer sair e ver as coisas, e talvez eu precise fazer isso logo enquanto estou livre, pra não acabar passando mal quando voltar a trabalhar. ela me deixa sozinha novamente, são seis da tarde e precisa começar o jantar, segundo ela meu tio gosta de comer assim que chega do trabalho, dá pra ver como isso e exaustivo para ela que mal chega de seu próprio serviço e precisa correr para fazer a jantar a tempo, ela ainda nem banhou. a observo pela janela indo de um lado a outro na cozinha, decido que então eu vou a feira, ela esta me acolhendo e tenho que pelo menos demonstrar interesse em melhorar a mim mesma, e o mínimo.

   Tomo um banho lavando os cabelos e me deixando sentir a agua por alguns minutos, pra vestir escolho uma calça preta e uma blusa canelada, nada que eu realmente ache bonito, mas e agradável aos olhos, calço o tênis preto desgastado, no passado ele devia ter sido bonito. Penteio o cabelo molhado todo para trás e isso deixa meu rosto ainda mais aparente, mas talvez eu tenha mudado o suficiente para que as pessoas não me reconheçam ou não tenham certeza se sou eu mesma.

   Ao sair passo pela janela e minha tia me olha abrindo um sorriso, satisfeita de que eu esteja fazendo algo que me recomendou, destranco o portão pequeno e paro com a mão na maçaneta questionando se estou bem o suficiente para sair sozinha, puxo o máximo de ar para meus pulmões e o prendo até que isso seja um desconforto e solto de uma vez abrindo o portão e saindo para a rua, e uma vitória um pouco pesada. sigo pela rua como ela havia dito, alguns carros passam assim como pessoas a pé, nenhuma olha pra mim e espero parecer invisível. Pego o dinheiro no bolso o segurando, duas notas de vinte, e o que tenho até que eu começe a receber, ou seja será um mês sem comprar ou gastar absolutamente nada. 

Memórias perdidasOnde histórias criam vida. Descubra agora