Florescendo: Capítulo 1

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Lá estava Leo, luvas na mão e coração batendo rápido em frente a sua oponente, Maria, uma menina maior e mais forte do que ele. Apesar do medo, da ansiedade que às vezes não deixava seus pensamentos chegarem até seus punhos e seu corpo, Leo treinava boxe com dedicação e sempre buscava melhorar. Não se importava com nada a sua volta, somente com Maria. Já tinha perdido para ele na semana anterior, tentaria não perder de novo. Seus parceiros na academia diziam que ele ainda não estava no nível dela, mas Leo não se importava muito. Quando se tratava de se superar, ignorava a lógica e apesar do medo, tentava, mesmo que timidamente. Vera, a treinadora, anunciou com a voz enérgica:
- Comecem!
Os dois caminharam um em direção ao outro, tocaram as mãos. Maria disse:
- Boa sorte.
Leo, olhando nos olhos dela por entre a sua guarda levantada, respondeu:
- Obrigado.
Não desejou sorte para sua oponente. Não achava que ela iria precisar. Começaram a se movimentar, os pés desenhando o embate, definindo quem atacaria e quem defenderia. A área da luta era delimitada por um octógono de fita policial, atada a oito cones. Fora dele, alguns assistiam o combate e outros continuavam treinando, em duplas ou com um saco de pancadas. Maria avançou, impondo seu corpo poderoso e veloz. Normalmente, Leo tentaria fugir, com um certo medo, mas dessa vez decidiu que seria diferente. Quase esqueceu seu plano de ação quando viu aquele braço musculoso voando na sua direção, mas, como já tinha dito para si mesmo depois de reunir coragem, dessa vez seria diferente. O soco veio, e Leo sabia que não valia a pena tentar bloqueá-lo. Se movimentou para a esquerda, usou a guarda para fazer o peso do soco de Maria desequilibrá-la e então acertou um golpe muito bem dado no abdômen da adversária que para ele, no começo dos treinos, era simplesmente invencível. Maria sentiu o peso do soco, sentiu que Leo sabia o que estava fazendo com as mãos. Recuou e Leo tentou aproveitar o momento, animado, dando mais dois socos, mais um na altura do abdômen e outro no rosto. Maria, depois do terceiro soco de Leo na luta, se recompôs e avançou novamente, dessa vez mais entretida na luta. Leo bloqueou os dois primeiros, na altura da barriga, mas eles eram só uma distração. Quando o jovem achou que estava tudo bem e tentou recuar para preparar o próximo movimento, Maria acertou um baita dum gancho no queixo de Leo, que deu dois passos para trás e tentou avançar mais uma vez, mas estava começando a ficar desequilibrado. Vera, que observava a luta de dentro do ringue, pronta para intervir se fosse necessário, decidiu prolongar um pouco mais. Queria descobrir até onde Leo poderia ir, porquê percebeu que naquele momento ele estava diferente. Desde que foi anunciado, no início do treino, que haveriam lutas, Leo parecia reunir seu foco ou sua coragem, que lhe escapavam nas lutas, o transformando em um saco de pancadas ambulante. Leo avançou pela última vez na luta. Se posicionou na frente de Maria e começou uma sequência de socos potentes, mas que tinham uma brecha entre si. Leo sabia que não conseguiria pressionar Maria a ficar na defensiva para sempre, então, quando Maria achou a brecha entre os golpes e fez seu movimento, Leo já estava preparado. Maria deu um rápido jab e então Leo explodiu para a direita e acertou um hook, usando o peso do seu deslocamento. Maria novamente viu que Leo tinha potência nos golpes, mas ela tinha como ponto forte a resistência. Se recuperou rapidamente e deu mais um gancho, antes que Leo posicionasse completamente a guarda, e aí não teve jeito. Leo finalmente caiu, não desmaiado, afinal, usavam capacetes na academia. Leo caiu desequilibrado depois de dois ganchos, e então Maria se aproximou, aparentando não estar muito cansada, e  estendeu sua mão.
- Tudo bem?
- Tudo. Ainda bem que a gente usa capacete. E você?
- Tô bem também.
Maria suspendeu Leo e então Vera surgiu e disse, abrindo os braços e com uma expressão de empolgação, de orgulho até:
- Aí sim, garoto!
Leo ignorou o elogio, respondendo apenas com um sorriso, e então afirmou:
- A Maria ganhou.
- Ganhou, mas você foi muito melhor do que na outra luta. Isso é o suficiente.
- É. Talvez.
Leo olhou o relógio e tirou o capacete e as luvas, pois já eram quase seis horas da tarde.
- Eu vou me vestir.
Vera incentivou:
- Vai lá, profissional!
Era uma mulher muito divertida, apesar da cara de durona. Leo foi até o vestiário, recebeu um ou outro elogio pelo desempenho. Na sua concepção, com os pensamentos ainda naquele estado de concentração em que estava na luta, poderia ter sido muito melhor. Se sentia um pouco decepcionado. Tirou o calção, vestiu sua camiseta azul escura e sua calça cinza, calçou os sapatos. Jogou uma água na cara e se secou com as sua toalha de rosto enquanto se olhava no espelho. Não reparava na presença dos outros meninos no vestiário. Se olhou no espelho e disse:
- Podia ter sido pior também.
Vestido, saiu e se despediu de todos. Na porta, disse:
- Tchau, Mestra Vera. Obrigado.
- Por nada. Foi bem, Leo.
- Hum.
Leo treinava nas segundas, quartas e sextas, das quatro e meia da tarde até às seis. Não pagava pelos treinos, Vera se dispunha a treinar toda aquela gente de graça. Ele também trabalhava aos sábados e domingos de atendente num bar afastado, numa área mais rural. Recebia oitenta reais por dia e já tinha dois anos de serviço.
Leo caminhou um quilômetro e meio pela rua da academia, mais ou menos. Era uma rua com algumas lojas e até alguns prédios, havia um movimento constante de carros e pessoas, o burburinho urbano. Depois, virou à direita e foi para uma rua menor. Seguiu nela e foi virando e virando até chegar numa rua que não tinha nada além de casas pequenas. Uma rua tranquila, com algumas crianças que brincavam nela durante a tarde. Sua casa ficava ali. Caminhou uns cem metros e entrou nela, à esquerda. Uma casa verde limão com um Palio na garagem e um portão de ferro, estilo grade. Dentro desse portão havia um menor, por onde Leo entrou e depois virou a esquerda, abriu a porta e entrou em casa.
- Mãe?
- Oi, Leo. Entra.
E Leo entrou na casa. Era bem simples, e quem entrasse percebia no ato que ela era feita para duas pessoas e ninguém mais. Leo e Clara, sua mãe. Clara era uma pessoa reclusa, parecia viver isolada, à parte do nosso mundo que para ela era às vezes complicado, às vezes triste e outras vezes depravado. Não tinha muitos amigos, mas os que tinha eram de longa data, todos pessoas que ela considerava de valor. Pessoas que viviam no meio da confusão da atualidade e mantinham sua essência. Clara estava na cozinha, preparando a janta. Disse para Leo:
- Vai tomar banho, vai menino.
- OK.
Leo tomou banho, ainda pensando no treino, se trocou e foi para a cozinha. Perguntou para sua mãe:
- E aí? Quer ajuda?
- Você pode temperar o feijão.
- Certo. Cadê o alho?
- Ali naquele potinho em cima do armário. Como foi o treino hoje?
Leo respondeu enquanto descascava os dentes de alho:
- Bom, eu acho que eu podia ter ido melhor. É difícil pensar e lutar ao mesmo tempo. Acho que eu tenho que aprender a lutar sem ter que pensar tanto. Isso me atrasa.
- Ah, é?
- É.
- E na escola?
- Tudo bem. Bem fácil, também.
Clara parou de mexer a farofa e olhou para Leo:
- Olha lá, hein, Leo. Não vai relaxar! Você nunca pode achar que sabe de tudo.
- Eu sei, eu sei, mas eu não tô dizendo que sei de tudo, só que pra mim hoje as coisas estavam fáceis.
Clara percebeu a sinceridade nas palavras de Leo. Era um menino inteligente, apesar de tudo. Mas não podia deixá-lo se acomodar, ele podia ser melhor. Disse, em uma tentativa de incentivo:
- Hum. Sei. Fala isso mas tá aí, parado, sem ir pra lugar nenhum. Não pode ficar assim, não.
E então Leo sentiu um aperto no peito, súbito e intenso. A verdade dói. A sabedoria direta de Clara, junto com seu jeito um pouco seco, às vezes gerava frases assim. Disparos de realidade sem filtro. Leo não sabia o que fazer com o próprio tempo. Melhor dizendo, sabia, mas tinha medo de não ser capaz. Sim, Leo não tinha dúvidas. Tinha uma vontade que pulsava, pedindo para sair dos pensamentos e ir para o mundo mas tinha medo de não conseguir e acabar sem ter nada, nem o respeito das outras pessoas. Sozinho e ridicularizado. Respondeu a mãe:
- Eu...é. Eu vou fazer alguma coisa.
- Acho bom. A vida não espera você se decidir.
Leo sentiu uma ponta de raiva, uma fagulha querendo virar incêndio. Leo a apagou. Clara achava que Leo estava em uma inércia profunda. Leo ficou um pouco triste. Perguntou à mãe:
- E você, como foi hoje?
- Tudo bem.
- Hoje você foi na casa de quem?
- Da Márcia. Aquela que mora bem longe.
Clara era diarista, assim como muitas outras mulheres nordestinas em São Paulo.
- Entendi. O feijão tá temperado.
- Tá bom, Leo. Brigada.
- O que tem aí no forno?
- Frango assado com batata.
- Ô, maravilha!
E conseguiu arrancar de Clara um sorriso. Os dois comeram juntos assistindo o jornal, no sofá. Às nove e pouquinho, Clara se levantou e disse:
- Eu vou dormir, Leo. Lava a louça, por favor.
- Tá. Boa noite, mãe.
- Boa noite.
Leo assistiu um filme de ação que estava passando na TV e foi dormir um pouco depois das onze. Na cama, antes de dormir, Leo se sentia ainda triste.

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