Prólogo

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O QUARTO DO HOSPITAL estava cheio de girassóis e presentes, como se fosse uma festa. Mas, o que se passava ali não era segredo para ninguém: uma alma sublime deixava o solo terrestre para viver com as estrelas em um céu de fantasmas.

— Está tudo bem, Nate. — Eleanor sussurrou, após a última visita do médico.

O corpo estava fraco, não conseguia suportar a traição do próprio organismo. Sua história com o câncer não devia terminar assim, mas a vida é como subir em uma montanha russa com os olhos vendados. Eleanor tentava consolar o marido quando nem mesmo ela podia ser consolada.

— Eu te amo. Eu amo tanto você — o marido declarou, dando um sorriso choroso à sua esposa. Ela estendeu sua mão para ele, que a beijou com uma doçura tão imaculada que chegava a ser incomum mesmo para um casal apaixonado, porque eles não eram só isso. Eles eram uma só alma, e ele sabia que perderia parte dele quando ela o deixasse naquela noite.

— Eu sei — ela sorriu, em meio às lágrimas. — Eu te amo também.

— Mãe? — uma linha de voz foi soprada da porta do quarto.

A garota deu passos cambaleantes até a cama de sua mãe, e lentamente tocou seu ombro. Todos os esforços de Ellie foram em vão para parecer forte, pois quando viu seu próprio reflexo nos olhos da filha sentiu-se desabar completamente.

— Emily — Ellie a chamou com a voz trêmula. — Me desculpa.

Nathaniel apertou os dedos de Ellie, beijando outra vez a mão da esposa.

— Pelo o quê? Por que está pedindo desculpa? — Emily perguntou, mordendo o lábio inferior para interromper o choro. As mãos trêmulas alcançaram o cabelo loiro da mãe, que voltara a crescer semanas antes. — Está tudo bem. Eu vou ficar bem. Nós vamos ficar bem.

No seu coração, ela implorou por algo impossível, um milagre, e a mãe teve de fechar os olhos para recuperar a compostura antes de se despedir.

— Querida, você é tão forte. — Os olhos azuis das duas estavam cheios de lágrimas que caíam todas de uma vez, como uma torrente incapaz de ser controlada. — Eu tenho tanto orgulho de você.

Emily mal tinha voz para responder.

— Pare. Por favor, mãe. Pare com isso. — A garota se ajoelhou ao lado da maca, abraçando o corpo da mãe. Eleanor apertou os dedos de Nathaniel em um pedido silencioso para que as deixasse a sós. Ele não relutou ao se levantar e sair. — E-eu não consigo.

A jovem fechou os olhos, encostando a testa no colchão do hospital, sentindo o cheiro da mãe se impregnar nos lençóis.

— Vai ficar tudo bem, meu amor! Vou estar com você o tempo todo — Ellie acariciou o cabelo da filha, devagar, aproveitando a sensação de tocá-la enquanto ainda podia. — Lembre-se: nós duas contra a escuridão da noite, estrelinha. Você é uma grande estrela agora, não?

A mãe sorriu ao usar o velho apelido que deu a Emily. As memórias a atacavam como uma enxurrada de beijos dolorosos.

— Eu amo você, mãe — disse Emily, com os ombros tremendo.

— Eu também te amo. Mais do que pode imaginar.

Os soluços das duas eram a única quebra do silêncio ensurdecedor que pairava sobre o quarto. Mãe e filha permitiram-se sofrer juntas por aquilo apenas mais uma vez. Então, Emily finalmente levantou a cabeça e olhou para a mãe. Respirando fundo, entrelaçou seus dedos e perguntou:

— Você lembra que falamos sobre a minha formatura há alguns dias? Você não pode esperar mais um pouco? Eu queria que você estivesse lá.

Ela sorriu para encobrir o furacão em seu interior, os olhos ardendo.

— Eu sei que você vai estar linda. Consigo imaginá-la perfeitamente e, por agora, isso tem que ser suficiente, filha.

Emily suspirou e com o coração apertado, disse:

— Mas, não é. Não é suficiente. Eu disse que ficaria bem, mas, sinceramente, não sei se vou conseguir. Eu não sei se posso fazer isso, mãe.

Ela fechou os olhos, e apagou qualquer barulho da mente, menos o bip das máquinas ligadas ao pulmão de Ellie.

— Estou sendo egoísta, eu sei, mas você não pode ir agora — a voz trêmula fez a mãe se encolher com cada nuance de pura dor.

— Eu estou pronta para ir, Emily.

Abrindo os olhos, outra vez, ela os deslizou sobre a paisagem além das janelas, onde as folhas de um salgueiro grande e antigo escorriam pelo vidro, apagando qualquer vestígio do pôr do Sol.

— Mas, eu não. Eu não estou pronta, mãe.

Ellie deu um sorriso triste, os olhos perdendo o foco na janela como os da filha. Ela pensou no significado daquele momento e em como tudo se conectava. Salgueiro podia significar muitas coisas como fertilidade, soberania e morte. Naquele momento só significava uma dessas coisas para ela, mas não para Emily. Sua filha não tinha que pensar assim. Um novo ciclo se iniciaria dali em diante e o único arrependimento de Ellie era não poder estar ali para acompanhar a jornada de sua família.

— Você vai ter uma vida para isso, querida. Uma linda vida.

Emily olhou para a mãe, em silêncio. Memorizando os mínimos detalhes. As rugas que marcavam seu rosto, o bronzeado nas maçãs do rosto, os olhos azuis tão intensos como o oceano revolto. Que adiantaria uma vida inteira pela frente, se não veria mais aqueles olhos tão acolhedores, tão amáveis, tão... vivos?

 vivos?

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