Capítulo 2

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      Pois bem, Seulgi é minha colega não só na aula de inglês do primeiro tempo, como também na de educação artística do sexto (não que ela tenha se sentado ao meu lado, nem que eu a tenha procurado, mas os pensamentos que pipocavam pela sala, mesmo os de nossa professora, a sra. Machado, foram suficientes para que eu me desse conta da presença dela).

   E como se isso não bastasse, agora vejo que ela estacionou o carro bem ao lado do meu. Até então eu havia conseguido me conter e não olhar para outra parte além das botas escuras, mas agora, eu sabia, minhas possibilidades de escapar chegavam ao fim.

— Ai, meu Deus! É ela! Está vindo bem em nossa direção! — exclama Baekhyun, com os trinados de soprano que reserva apenas para os momentos mais excitantes. — E olha aquele carro! Um BMW preto novinho em folha! E com o insulfilme mais escuro que existe! Um espetáculo! Olhe, o plano é o seguinte: vou abrir a porta e acidentalmente bater na porta dela; então terei uma desculpa pra falar alguma coisa. — Ele se vira para mim em busca de aprovação.

— Não arranhe meu carro. Nem o carro dela. Nem o de qualquer outra pessoa — eu digo, balançando a cabeça e tirando as chaves da mochila.

— Tudo bem — resmunga Baekhyun, fazendo beicinho. — Pode arruinar meus sonhos, não me importo. Mas faça um favor a si mesma e dê uma conferida nela! Depois quero ouvir você dizer, olhando fundo nos meus olhos, que não pirou nem ficou de perna bamba com o que viu!

   Reviro os olhos e me espremo entre meu carro e o Fusca vizinho, tão mal estacionado que parece querer montar no meu Miata.

  Já estou com a chave na porta quando, atrás de mim, Baekhyun me surpreende, puxa meu capuz para baixo, arranca meus óculos e corre para o lado do passageiro, onde, com gestos nada sutis da cabeça e do polegar, insiste para que eu olhe para Seulgi, que a essa altura já está atrás dele.

   Então, obedeço. Bem, não posso continuar evitando a garota pelo restante da vida. Assim, respiro fundo e levanto os olhos.

   E o que vejo me deixa incapacitada de falar, piscar ou mover qualquer outra parte do corpo. Percebendo meu estado, Baekhyun arregala os olhos e começa a abanar as mãos freneticamente, fazendo o que pode para abortar a missão e me trazer de volta ao "quartel-general", à normalidade. Mas não posso. 

   Quer dizer, bem que eu gostaria, porque sei que estou agindo exatamente como a esquisitona que todos já acham que sou. Mas não dá, é impossível. E não apenas por causa da beleza inquestionável da tal Kang. Tudo bem, os cabelos são lindos, luminosos e compridos; vão descendo ao longo das maçãs do rosto, salientes e esculpidas a cinzel.

   Mas quando ela ergue os óculos de sol para me fitar de volta, constato que os olhos dela, estranhamente familiares, são amendoados e escuros, monolíticos, emoldurados em cílios tão longos que quase parecem falsos. Ah, e os lábios! Os lábios são carnudos e convidativos, tão bem desenhados quanto um arco de Cupido. E o corpo que sustenta tudo vestindo preto de cima a baixo.

— Ei, Joo! Alô-ou! Você pode acordar agora. Por favor! — Baekhyun vira-se para Seulgi, rindo de nervosismo. — Não repare na minha amiga, não. Geralmente ela se esconde debaixo do capuz.

   Não é que eu não saiba que tenho de parar, e parar agora. Mas os olhos de Seulgi, pregados nos meus, vão se tornando de um colorido cada vez mais intenso à medida que os lábios esboçam um sorriso. Mas, como já disse, não é a beleza estonteante dela que me paralisa dessa forma. Um fato não tem nenhuma relação com o outro. Acontece que toda a área em torno do corpo dela, desde a gloriosa cabeça até a ponta quadrada das botas pretas de motoqueiro, consiste em nada além de um espaço vazio, em branco.

Para sempre - Seulrene versionOnde histórias criam vida. Descubra agora