Luto

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No dia seguinte, acordei com um ar de renovo. Acordei tarde, não ouvi o alarme. Santo cristo, que felicidade. Acordar e ouvir apenas os combos que Thiago fazia em seu joguinho, e o respirar ofegante de Charles com suas flexões, é bonito demais, é belo!
Certo que lá fora, o clima era totalmente diferente. Quando coloquei meus pés para fora da cela, e caminhei rumo ao refeitório, pude notar como todas estavam desconfiados de mim. Até que então, uma das detentas que não sei o nome, se aproximou.

— Fala 'piá'. — Estendeu os punhos para que eu cumprimentasse.

Assenti, e ela continuou a falar.

— Fiquei sabendo o que aconteceu com a Ângela. Sinto muito, mas ela foi pra um lugar melhor.

Essa louca acha mesmo que minha mãe morreu. Bem que não seria ruim, mas não agora.

— Ela deve voltar logo. Os médicos disseram que ela vai sobreviver.

Aquele era o tipo de mulher que realmente estava triste, mas por achar ter perdido a única vendedora de drogas daquele bloco, e não a amizade que possivelmente tinham. Seus olhos faltaram saltar do rosto quando disse que minha mãe estava viva, de tamanha felicidade ao saber que não passará pelos males da abstinência.

Geovana jamais venderia droga para quem comprava com a Ângela antes. Para ela, era até bom que Ângela vendesse também, assim ela não se preocupava em pegar drogas demais para venda e arriscar passar umas noites de sono na solitária. Assim, se um dia essa rival sumisse, suas compradoras ficariam a beira da morte com a abstinência, e o palco do caos estaria montado.
A detenta que conversava comigo, se virou sem dizer uma palavra. Provavelmente ela só pensava em compartilhar com as amigas a informação nova que acabou de conseguir. Saiu andando como quem recebeu a notícia mais chocante de sua vida.

Essa falsa preocupação comigo é interessante. Aqui eles me tratam como se eu fosse uma criança. Sei bem que tenho 13 anos caralho! De fato sou uma criança. Mas se soubessem como minha mente funciona, me dariam a direção dessa penitenciária de merda na mesma hora. Hoje a diretora me enviou um recado como sempre, com toda aquela melancolia de preocupação e prestação de ajuda. Pedi para tirar um cochilo no terraço da prisão, pois aleguei ser amigo da detenta que aparentemente se matou. Claro que ela acatou.

— Bom dia Philip, querido.

Essa era a Maria da Graça, cozinheira. Por mais que eu evite olhar em seu rosto pra não ter que ver aquela verruga cabeluda e nojenta dela, ela ainda insiste em me dar bom dia todos os dias sem receber uma resposta.
Peguei minha bandeja e sentei-me sozinho. Sozinho até uma filha da puta sentar na minha frente e ficar me encarando e se tem uma coisa que eu odeio, é que me olhem comer, por isso hoje vim mais tarde, por estar vazio o refeitório.

— O que você quer? — Perguntei sem tirar os olhos do prato enquanto mexia a comida com o garfo.

— Sei bem que Ritinha não se matou por querer. Seu piá de bosta, desembucha o que você fez.

Ela sussurrava pra mim de um jeito que mostrava nitidamente sua raiva, porém incerteza sobre mim. Ela só está incrédula com a morte de sua amiga.

— Que pode eu, uma criança, ter feito para uma detenta perita em homicídio? Ela é velha na carreira, sabe? — Levantei o olhar convencido para ela com minha voz descarada.

Nessa hora a sua mão fechou forte que pude ouvir seus dedos estralando com o aperto de raiva. Mas isso aconteceu ao mesmo tempo em que Charles apertou sua mão no ombro dela e chegou perto de seu ouvido.

— Entre de luto sozinha, e não enche o saco sua vadia. — Charles sussurou para a detenta.

É interessante como o olhar muda quando a pessoa se sente ameaçada. Ela se levantou após dar um tapa na mão de Charles, e foi saindo do refeitório.

—  Quais são as chances, Phil?

— Zero vírgula zero zero porcento.

Charles me perguntou as chances de descobrirem que eu, induzi Rita para seu suicídio com a ajuda de dois carcereiros, o carcereiro das câmeras e um que estava comigo, qual mataria Rita caso ela me atacasse ou 'seilá'.
Aquela mulher implorava para que eu esquecesse. Mas ela era uma falha no meu plano. Se minha mãe morresse, eu seria mandado ao orfanato, e lá eu estaria acabado antes de tentar me erguer. Ela merecia ser punida. Porém fiz um teste sem ela saber. Se ela não se matasse, iria significar que mesmo com uma arma apontada pra ela, ela ainda achava que foi correto o que fez com minha mãe, por isso, merece continuar vivendo pela sua razão. Se ela se matasse, então bom, ela estava arrependida. O medo pra essas detentas é um amigo do peito, elas não se deixam dominar.

— Charles. — Eu disse.

Já estávamos no terraço. Não preciso avisar que se eu vou até cagar, Charles e/ou o Thiago está comigo.

— Fala aí, seu canalha.

Dei um pequeno sorriso. Eu estava deitado em uma daquelas cadeiras de praia pra tomar bronzeado, e Charles sentado no chão encostado na parede, apreciando a vista como eu.

— Depois de tanto, qual o seu sentimento por essas detentas?

— Eu ainda quero jogar futebol com a cabeça de cada uma dessas filhas da puta! E eu estaria tão contente que faria gols mais bonitos que o Messi e Pelé juntos! Hahaha, seria muito foda!

Demos uma boa gargalhada daquilo. Creio pra mim, que Charles tem um nível de esquizofrenia.

— E você Thiago cabeça do meu saco. Sai desse jogo piá, vai torrar seu cérebro!

Thiago estava encosta na cadeira de praia do outro lado.

— Você não joga e nem cérebro tem, imagina então se jogasse.

— HAHAHAHA! Tomou Charles. — Disse, virando-me para ele.

— Disse o quê aí seu filho da puta!? Eu vou te pegar...

E fiquei ali, tentando segurar para que Charles não matasse o pequeno Thi, ali, enquanto ria e me divertia, comemorando a morte de uma falha no meu plano, que agora nunca ocorreu.

Philip - Na Penitenciária FemininaOnde histórias criam vida. Descubra agora