A Redenção dos Magos

Magia dos anjos na terra dos homens

O ar era fresco naquela parte do Reino. Tão fresco quanto em qualquer outro lugar das sete fortalezas dos anjos. Ali, alguns seres assumiam ora formas etéreas, desprovidas de forma e se deslocavam rapidamente, ora assumiam forma humanoide, e eram vistos como altivos, de cabelos longos, portanto túnicas brancas, ou cinzas, de material que poderia ser lã ou algodão colorido, ou então armaduras reluzentes. Tudo dependia da raça a qual pertenciam: Maliks, a nobreza, rassuls, guerreiros, mensageiros e plebeus, e jabbarins, mestiços de anjos e humanos.

Harut e Marut eram dois desses anjos, rassuls, mas eram muito respeitados nos escalões angelicais. Porém ninguém jamais viu eles serem soberbos ou rebeldes, afinal, rassuls são feitos para obedecer. E eles obedeciam. Harut era alto, de cabelos pretos e longos, olhos escuros, nariz proeminente, de fala séria e pausada, bastante erudito. Marut em forma era praticamente uma cópia do irmão, porém transparecia alegria no jeito de ser, olhar sereno e tranquilidade. Um era o complemento do outro, diziam, e provavelmente era verdade. Harut cuidava das águas, Marut das plantas, e ambos tinham grande amor pela Criação. Mas pouco apreço pelos homens e seus pecados.

Era possível ver os afluentes dos rios de Darusahab fluindo mais abaixo de onde se encontravam na abóbada celeste. À oeste, a imponente Kahkoros, à leste, os reinos de Babalshams. E entre ambos, a guerra.

- Veja! Veja, irmão, observa como poluem com sangue a água límpida dos rios! - Reclamou Harut ao irmão.

- Veja então como negligenciam as hortaliças em nome das ervas daninhas! Preferem se entorpecer a se alimentar! E o que não deixam ao 'inimigo', queimam! Como podem?

Assim ambos observavam os homens abaixo, e se perguntavam por que o Deus Altayr havia os incumbido de cuidar da Natureza, quando os seres abaixo eram tão teimosos e a destruíam, destruíam a criação divina?

- Os homens... Argh! São mais teimosos que um jumento, e olhe que o jumento é teimoso, mas trabalha bem! - Completou Harut, estarrecido. Ao que Marut riu e respondeu:

- Harut, acho que vou falar para trocarem de lugar com você, quem sabe você não cuida melhor das tempestades? - Ao que os dois riram diante da resposta, e por um momento esqueceram do Mundo Humano e seus problemas.

- Os rassuls irão para lá de novo? - Questionou Harut.

- Humanos ditos Profetas nascem para todas as gerações, todos os povos, sua linhagem é extensa, e seu caminho, duro e pedregoso, alguém tem que guiá-los... - respondeu Marut.

- Talvez fosse hora de uma mudança de estratégia... - murmurou Harut.

- Como? - Questionou o irmão.

- Não sei... Só Deus... Só Deus... - lamentou Harut.

- Tenha fé irmão, tenha fé! - Disse Marut, dando um tapinha no ombro do irmão. Harut tinha fé, mas no Criador, não na Criatura.

Estava realmente muito agradável ali, Harut refletiu, a terra parecia tão pequena que os humanos não passavam de formiguinhas problemáticas, como dizia o irmão. Aquilo levou um sorriso ao rosto do anjo.

- Harut está sorrindo! Rápido, chamem os curandeiros, Harut está sorrindo! - Gritou o irmão com escárnio na voz, ao que Harut fez voar água no irmão, e Marut se protegeu com uma barreira de plantas. A água molhou a terra, fazendo surgir barro. - Veja, veja! A matéria prima do ser humano. Talvez se nós a moldarmos em um golem, saia um ser humano em miniatura melhor! - Riu Marut, formando um homúnculo de terra, sem feições, apenas um sorriso e dois olhos na cabeça arredondada do boneco de barro.

- Sua formiguinha saiu melhor que encomenda irmão... - Comentou Harut, pensativo. - Vamos, está na hora da Assembleia! Vamos lá reclamar dessas pragas! - e saiu voando em direção ao centro do Reino, onde ocorriam as assembleias angélicas. "Sem graça, nem me esperou! " pensou sorrindo Marut, e voou atrás do irmão.