O jovem Ahmad Al-Tayaru andava sob o vento e sol do inverno mediterrâneo da costa de Kahkoros. O jovem rapaz, desfeito de seus trajes de marinheiro, vestia-se como um andarilho. Em trajes de lã, os pés protegidos pelas suas botas, a barba por fazer, puxava seu burrico pela terra pedregosa, afinal, o animal também tinha o direito ao descanso. O jovem rapaz continuava sua busca. Buscava a origem dos embates entre as dinastias. Entre as religiões do Ocidente e do Oriente. A crença na trindade dos Deuses Asfur, Bahar e Ardun era vasta mas competia com a crença no Deus único Aba, que seria os três em um só, o Criador de todo o Universo. Trinitaristas, monoteístas e politeístas, cada qual com seus reinados, lutavam entre si. Então, há quase 1000 anos, o Rei Mahdi, líder dos monoteístas, morreu. Ou desapareceu. Rezava a lenda que o ressurgimento do Rei Mahdi anteciparia o retorno de seu Par, o Rei Yssa, o primeiro grande rei do povo monoteísta, e traria a paz aos abaenses. Unificaria as dinastias, e viria para a Guerra Final, onde todos os homens, gênios, anjos e outros seres lutariam para dar fim a todas as guerras. Haviam sacerdotes que apenas rezavam e meditavam, esperando que Aba os recompensasse por sua Grande Batalha, lutar contra as tentações terrenas e lhes poupasse; havia sacerdotes guerreiros, que lutavam as Pequenas Batalhas, as guerras entre homens, por seus líderes espirituais e pela justiça, e o que para eles era correto ante os olhos do seu Criador ou Criadores. E havia Ahmad. Ele havia escolhido o caminho da Maior Batalha possível (segundo sua própria definição): restaurar o lar de seus antepassados e trazer a paz aos povos daquele continente. Era sua missão naquele momento. E ela acreditava estar sozinho, pois não houvera um sacerdote, um guerreiro ou um rei que o financiasse ou acompanhasse, somente a boa vontade dos nativos lhe supria as necessidades.
Ahmad era, ou pelo menos assim diziam aqueles com quem pôde compartilhar seu segredo, descendente de um clã de anjos poderosos, embora fosse aparentemente um humano, mais alto que a média, forte, e sem asas. Portanto, sobre quem mais recairia a missão de despertar os líderes espirituais daquele mundo? Era o que pensava, enquanto procurava um lugar para descansar e tomar água. Os ouvidos treinados do jovem marinheiro e soldado verificavam as cavernas nas montanhas que se erguiam a sua frente. Ao longe, via seu destino: a Cordilheira de Darusahab, terra de seu pai. Captou sinal de água. Um barulho de um poço, profundo pelo intervalo entre as gotas. Mas o ar estava pesado. Ele se aproximou com cuidado, pois ouvia vozes e risadas. Poderiam ser salteadores, mas não. Ahmad desenvolvera o Dom da Revelação, e podia ver e ouvir gênios ocultos, e espíritos, e até combatê-los com certos amuletos e versículos sagrados. À medida que se aproximava da entrada, vozes subitamente se dissiparam. Uma enorme fera, uma esfinge, surgiu na entrada da caverna! Ela o olhou severa, sedenta, pronta para o bote. Ahmad se assustara diante da imponência da fera e caíra sobre uma pedra cortando o antebraço. Ao sentir o cheiro do sangue dourado, a fera enlouquecera, pulava, e escondia o rosto. Em kahkoptense clamava:
- Por favor, ó herdeiro, não me mates, não farei charadas com tua vida!
O rapaz não era versado na língua, mas conseguiu respondeu mantendo uma postura severa, passado o susto inicial e a submissão do monstro:
- Expulsa então os seres dessa caverna e me deixa entrar!
A esfinge assentiu, e adentrou a caverna, e um turbilhão de vozes, gritos, e xingamentos surgiram do fundo da caverna em forma de uma nuvem negra. "O sangue! O sangue do enviado! Amaldiçoado seja!". A própria esfinge fugira na confusão. O que teria naquele lugar maldito? Rezou ao Deus dos Anjos, Altayr, e adentrou a caverna, atrás do som das gotas de água no poço.
Havia luz na caverna, mas não de uma fogueira, mas de uma aura espiritual. Uma luz fraca, mas que iluminava o recinto. As gotas caíam do teto, e batiam num poço. Ali, no fundo da caverna, estavam dois homens acorrentados pelos pés. Suas correntes eram curtas demais para chegar à água, e suas vidas pareciam estar por um fio. Não eram velhos, apenas cansados demais, barbados e maltrapilhos e com sede. De suas costas, dois resquícios, dois cortes, do que um dia foram asas, apenas sombras e cicatrizes. Ahmad identificou: eram anjos! Ele se ajoelhou diante deles, encostou a testa no chão e clamou:
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A Redenção dos Magos
NouvellesAhmad Al-Tayaru aporta na costa do Império Kahkoros, e segue sua jornada rumo às Cordilheiras de Darusahab, para conhecer a terra de seu pai. No caminho, ele se depara com uma caverna infestada dos mais diversos seres e monstros. Ali reside, como el...