Demorei a discernir que o gosto agridoce e cru enchendo minha boca, atiçando meu paladar e escorrendo por minha garganta, provém de um ato grotesco. O cheiro de sangue também me fora atrativo de início. Metálico, porém suave ao encharcar os músculos e a carne volumosa. Eu devia ter parado ao menor sinal, aquela sensação não era natural. Mas, em meu interior, era o que eu precisava. É o que preciso.
Na primeira vez, eu não tinha estranhado. O sabor incomum me satisfez, as circunstâncias me afligiram, meu controle estava perdido, contudo, eu estava sem a noção do que era certo e precisei continuar. Sacie-me somente daquela forma. E, naquela vez, cinco mordidas bastaram. Fora um bom petisco comparado com as vezes seguintes.
Na segunda dessa, metade da coxa foi devorada por mim. Ela gritou de dor, pingou de suor frio e salgado, mas sangrou quente. Sua reação foi compreensível, eu a mordi voraz e isso nunca mudou até o momento. Mas eu queria que ela reclamasse, que me xingasse ou tentasse me impedir. Não importa o que eu fizesse, essas ações jamais saíram de seus lábios grossos que gemiam sôfregos. Ela se contentou com o que me tornei e aceitou ele.
Ele é chamado de Wendigo. Encontrei-o quando viajei para fora do país. Durante um evento sociocultural, atrai-me pela cultura dos povos indígenas norte-americanos. Obtive conhecimento de diversas figuras emblemáticas e sobre ele. Tudo que havia descoberto parecera demasiado surreal para minhas próprias crenças, limitei-me a somente analisar o modo de viver e existir desses povos intrigantes. No entanto, experienciei da pior forma como minha conduta cética me levou a ignorância ao diminuir as possibilidades de compreensão dos grandes mistérios desse mundo. Precisou que ele viesse até mim e me devorasse.
Recordo-me com totalidade do que me fora feito naquela noite. Estava a voltar tarde do evento, eu caminhava pelo jardim do hotel e algo me observava das sombras. Nisso, fui atacada. Garras se enfiaram em minha boca e cravaram-se na parte interna. Ele derrubou-me na grama e me arrastou para longe das luzes dos postes. Não pude gritar, não pude lutar contra. Meus braços não tinham forças o suficiente para impedir o braço longo, peludo e musculoso da criatura. Seu corpo em si era uma árvore milenar ambulante e sombreada pelo luar. As extensões tortas no topo pareciam galhos secos. Ele bufou ao notar que eu o encarava. A lufada veio quente e fétida até meu rosto. O cheiro da morte.
Não era preciso odor de enxofre para perceber que ele iria jogar minha alma no inferno, após consumir minha carne. Era isso que seus olhos me diziam quando parou de andar. Olhos alaranjados como fogo, queimando-me de forma intensa.
Senti tanto pavor que comecei a tremer. Chorei continuamente. A agitação fez com que mais sangue saísse do ferimento e se acumulasse em minha garganta. Entre tossidas sôfregas, tentei grunhir com todas as forças que pude extrair de minha garganta, implorando de forma patética para ele não me matar, enquanto impedia que o engasgo fosse a causa de minha morte. Minha espinha gelara com o vento frio da noite, qualquer energia em meu corpo foi evaporando a cada segundo que ele permanecia imóvel a me observar. Minha boca rasgada ainda tinha suas garras grossas de ponta fina, cada vez mais dificultando a passagem de ar pelo meu canal nasal.
"O que ele vai fazer?" Perguntei-me, aflita em pensamentos. Se planejava me comer, que o fizesse logo. Estava a perder o controle de todas as áreas de meu corpo, minha bexiga foi uma que não se segurou por muito tempo. Meu pulmões começaram a doer com a interrupção de sua ação de praxe. Ele por acaso estava gostando de me ver aterrorizada?
A resposta, agora que a tenho, é sim.
O Wendigo analisou cada centímetro de mim. Minhas pernas trêmulas, minha urina escorrendo pela grama do jardim, meu tronco ofegante, minhas mãos tateando utilmente seu braço peludo, meu rosto brilhando de suor frio, minha boca ferida e o queixo sujo de sangue que pinga em meus cabelos espalhados pelo chão; meus olhos arregalados diante das faces do ser cruel que se divertia com meus espasmos ao sufocar com meu próprio sangue.
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Espírito voraz • Taejin!fem
FanfictionEle a tomou para si e aprisionou-a ao próprio corpo. Novos sentimentos, percepções e vontades germinaram em seu interior, levando Taehee a arrastar outra pessoa para seu inferno. - Especial de Halloween - [ Leia os avisos com atenção ]