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NEM O CREPÚSCULO  é mais silencioso do que o carro do meu pai, neste instante. Erin, minha irmã mais nova, está no banco de trás. Suas pernas inquietas e o olhar preso à paisagem.

Nem sei dizer quem está sofrendo mais com tudo isso.

Meu pai dirige calado. Suas mãos estão tensas sobre o volante. Maxilar travado, testa franzida, olhos bem abertos para não deixar as lágrimas caírem cedo demais. É como observar meu coração em um espelho.

Não ouso quebrar o silêncio. Seguro o cinto de segurança com tanta força que chega a doer. Não é o suficiente. Nada nunca é.

— Vamos — a voz dele é baixa, falha, trêmula, dolorosa e agonizante. Todos os seus sentimentos produzindo uma melodia mórbida.

Papai sai do carro em uma velocidade quase inumana. Ele quer que acabe logo. Quer parar de fingir ser forte e chorar no quarto sozinho. Não o culpo. Eu desejo exatamente o mesmo.

Sua mão cobre a de Erin, conforme ele estende a outra para mim. Aperto seus dedos forte demais. Tanto que podiam quebrar agora mesmo. Não posso controlar. Não consigo controlar. Tudo em mim treme, grita e lamenta a cada segundo. Olho para a nossa casa e as lembranças me deixam cansada. Não faço ideia de como vamos conseguir.

Os ombros de Erin estremecem e sei que é porque ela chora.

— Está tudo bem, querida. Está tudo bem. — Meu pai a abraça, soltando minha mão.

Eu poderia cair aqui mesmo. É insuportável. Odeio isso. Odeio tudo isso. A respiração do papai vacila quando eu o cubro em um abraço. Estamos enrolados uns nos outros, protegendo-nos da brisa que tenta arrastar o que nos resta para o mar. Demasiadamente desolada até para chorar, respiro fundo. Me afasto do abraço deles e dou o primeiro passo.

O lugar que um dia chamei de lar parece assombrado. Quando toco na maçaneta, ouço um guincho, como se até a casa chorasse pela morte dela. Derramo a primeira lágrima, enquanto a porta se abre.

 Derramo a primeira lágrima, enquanto a porta se abre

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Havia uma carta em minha cama. Estou alisando o envelope com a assinatura da mamãe quando papai entra no quarto.

— Ela pediu que eu entregasse à vocês duas — ele diz.

Balanço a cabeça, sem saber o que dizer. Coloco o envelope de volta na cama e me aproximo. Ele suspira e trocamos sorrisos fracos, numa tentativa miserável de consolar um ao outro. Dou mais um passo em sua direção e o abraço, bem forte, porque ele é tudo o que eu tenho agora.

— Nós vamos ficar bem, filha — ele sussurra, com a voz embargada. Continuo balançando a cabeça porque desejo mesmo que isso seja verdade. Não sei quanto tempo fico agarrada a ele, presa à essa âncora que me protege da realidade, mas quando nos afastamos, sei que não vou afundar tão rápido. — Vou ver como sua irmã está.

— Ok.

Espero ele sair e fechar a porta para finalmente tirar as sapatilhas pretas e baixar o zíper do vestido longo que bate em meus tornozelos. Solto o cabelo e observo as ondas loiras caírem sobre o travesseiro quando me jogo na cama. Uma chama se espalha por todo o meu corpo. Ninguém me dizia que a dor do luto era física também, ainda assim tudo dói. Meus braços, pernas, tudo. Quero chorar, mas tenho medo de soluçar e me despedaçar em um milhão de pedacinhos.

Pego a carta novamente, traçando com o indicador o nome dela: Eleanor Mary Anderson. Meu coração afunda no peito e me sinto desabar. Uma lágrima escorrega sem querer e, logo, estou em estilhaços porque não consigo parar de jorrar. Abraço meus joelhos, ainda deitada, como um bebê que sente falta do útero. Fecho os olhos e continuo chorando até não sentir mais nada. Até dormir.

 Até dormir

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