Capítulo único

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Ela ainda se lembrava da semana da mudança dele. Mary morava numa vizinhança discreta — ainda bem —, e os primeiros comentários não passavam de pequenas trocas de informações sobre quem seria o novo inquilino da casa do número 22. Numa manhã de março, porém, Mary saía do banheiro, secando os fios crespos do seu cabelo com a toalha, quando flagrou seu (agora ex) marido colado à janela do quarto, um olho observando pela fresta mínima da cortina de tecido branco.

— O que você está olhando?

— O novo vizinho chegou — disse Elias sem tirar sua atenção da rua. — Nossa, ele parece ter saído de um filme. Que cara estranho!

Ele mal havia terminado de falar quando Mary o empurrou para o lado com o quadril, pegando um vislumbre do homem que adentrava a casa mais à frente, segurando uma caixa de papelão em seus braços. Naquela distância e ângulo, pôde apenas visualizar uma figura masculina alta e magra, toda trajada de negro.

— Ele parece bem elegante, na verdade — comentou ao se afastar da janela.

Elias, ciumento, não gostou do comentário. Na verdade, Elias geralmente não gostava de nada — às vezes parecia nem mesmo gostar dela —, então não foi grande surpresa que seu divórcio tenha se tornado uma realidade cerca de um ano mais tarde.

Já nas primeiras duas semanas que o novo vizinho se instalara no bairro, certo burburinho se iniciou. O bairro, antes calmo e discreto, em que seus moradores mantinham relações saudáveis e amigáveis, agora vibrava com a fofoca que começou quando aquele homem se mudou.

Ele não saía de casa. Absolutamente ninguém da rua havia flagrado mais algum vislumbre dele depois do dia de sua chegada. A casa estava sempre totalmente fechada; portas, janelas e cortinas. Também não havia nenhuma decoração do lado de fora que demonstrasse alguma personalidade ou algum indício de que uma alma viva ali morava.

— Eu vou até lá — disse Elias uma vez.

— O quê?! — exclamou, desacreditada, enquanto ajudava sua filha, Theodora, a calçar os sapatos. — Não seja enxerido, Elias. Deixe o homem em paz.

— Um homem estranho se muda para a minha rua e ninguém nem sabe o nome dele. Eu não quero nenhum maníaco morando perto da minha família, Mary. Não sou enxerido, estou apenas averiguando o indivíduo.

Por mais que discordasse e achasse aquela ideia absurda, Mary foi com ele. Disse a Elias — e a si mesma — que o fazia para ter certeza que o marido não seria inconveniente, embora soubesse que escondia dentro de si muita curiosidade. Com Theo no seu colo e seu marido ao lado, ela caminhou até a casa de número 22.

Havia algo de diferente ali, embora não soubesse dizer o quê. Sentiu uma espécie de formigamento quando se aproximou da porta — e pensou que Elias também sentira, porque ele esfregou os próprios braços — e notou que, na verdade, havia, sim, personalidade ali. Além das plantas e gramado parecerem mais verdes que os das outras casas (e Mary não conseguiu evitar sentir certa inveja, porque nada do que ela fazia parecia melhorar a qualidade do seu próprio jardim), ela percebeu que havia, agora, uma pequena plantação de algumas ervas nos canteiros mais próximos à casa. Ao lado da porta, entre a campainha e a arandela, havia uma placa com os dizeres alemães "Geh weg".

— O que significa? — sussurrou-lhe o marido.

— "Vá embora" — sorriu. — Charmoso.

— Eu não disse? Esse cara é estranho. — Ele apertou a campainha.

Através da casa completamente fechada, o som foi abafado. Não puderam ouvir nenhum passo, nenhuma voz, nada que indicasse que o vizinho estranho estava lá. Um breve pensamento macabro atingiu Mary e ela se questionou se o homem não havia morrido lá dentro — talvez devesse dar um tempo de ler Stephen King.

O Vizinho do Número 22 | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora