Capítulo 1

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Yeva não suportava aquele cheiro — o aroma metálico que a fazia lembrar dos açougues que visitava com sua mãe quando era criança e precisavam comprar carne para o jantar. Contudo, o que ela mais odiava era a sensação que aquele cheiro trazia. Por pior que fosse ou por mais que ele a fizesse lembrar dos piores momentos da sua vida, Yeva sempre sentia a necessidade de segui-lo, de ir ao encontro do que quer que tivesse aquele odor.

Era muito estranho, na verdade, odiar e sentir-se atraída por algo ao mesmo tempo. É claro que aquela não era a primeira vez que sentia aquele cheiro e esse era o motivo por trás do ódio. Tinha sentido aquele odor muitas vezes antes e todas elas precederam as tragédias que marcaram seu passado.

Por isto estava tão surpresa por aquele odor invadir suas narinas: ela estava sozinha. Há muito tempo não permitia que alguém se aproximasse o suficiente para dar tempo de algo acontecer. Não queria que sua maldição pegasse outra pessoa de quem gostava, então ela se mantivera sozinha desde que deixara a Rússia. Por que estava sentindo de novo?

Dessa vez, porém, ela não ficaria curiosa e perseguiria o que estava por trás daquilo. Por mais que seus instintos gritassem para que ela seguisse aquele cheiro, Yeva faria de tudo para ficar longe dele. Ela tinha certeza de que era por causa daquele odor que as pessoas próximas a ela se machucavam.

Antes, quando sentia aquela atração, Yeva ficava curiosa e procurava pelo responsável pelo odor. Aqueles que estivessem por perto a seguiam, também curiosos ou simplesmente com vontade de ajudá-la ou protegê-la. De repente, uma tragédia acontecia e a pessoa morria. E Yeva se esquecia de tudo.

Estava tão cansada da culpa, cansada de ter que acordar ao lado de um parente ou amigo ensanguentado, morto, e nem sequer se lembrar do que tinha testemunhado (e ela sempre tinha certeza de que havia testemunhado tudo, pois a culpa ao pensar que poderia ter ajudado se tornava ainda maior).

Portanto, partira sem olhar para trás, sem dar uma dica do seu próximo paradeiro, afinal, nem ela mesma sabia. Viajar pelo mundo se tornara um hobby e uma necessidade. Quanto menos tempo ficasse em um lugar, menos se apegava às pessoas ao seu redor.

Deixando de lado as lembranças ruins que aquele aroma metálico de sangue lhe trazia e voltando ao presente, Yeva torceu o nariz quando o cheiro pareceu ficar mais forte.

Será que tinha mais de uma fonte daquele cheiro por ali? Olhou ao redor do bar, procurando por alguém que parecesse ferido ou por rastros de sangue em algum lugar, mas não encontrou ninguém com aparência ensanguentada, só os homens e mulheres normais que não estavam tão bem vestidos e que provavelmente frequentavam bastante o lugar.

Talvez a origem do cheiro estivesse mais perto? Olhou de relance para o homem à sua direita. Ele parecia normal, vestido como um caubói, com calça larga, bota e camisa quadriculada. Tinha cabelos castanhos e bebia uma cerveja direto da garrafa. Nada de sangue. Olhou, então, para sua esquerda e viu uma mulher debruçada de costas no balcão, com um short curto, uma camisa lisa e branca amarrada logo abaixo dos seios e botas de cano longo. Estava vestida para seduzir alguém e parecia estar conseguindo, visto que um homem se debruçava por cima dela, encurralando-a ainda mais no balcão. Não, aqueles dois não estavam sangrando ou então teriam se separado ou gritado de dor em vez de se agarrarem cada vez mais e começarem a gemer.

Yeva suspirou e olhou para o barman. Ele também parecia inteiro, com o cabelo curto, repicado e cheio de luzes, os olhos azuis e atentos, que pareciam enxergar toda a extensão do bar. Ele vestia uma camisa azul listrada, de manga curta e de botões, que estavam abertos até o terceiro, deixando uma parte do seu peito à mostra. Pelo que dava para ver de seus braços, de seu peito e das pernas, que estavam cobertas por uma calça colada, ele devia malhar bastante e não tinha nem um arranhão.

Sangue Raro (Repostando)Onde histórias criam vida. Descubra agora