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Por mais que estivesse acostumada com a rotina de trabalho no necrotério, tarefas como aquela sempre fariam o coração de Molly Hooper doer um pouco. Uma jovem mulher, com pelo menos 15 anos a menos que ela, jazia sobre a mesa de autópsia com o corpo tão frio quanto o aço inox embaixo dela.

A patologista lavava o cadáver com cuidado para não deixar nenhum resquício de sangue sobre a pele pálida e os cabelos longos que um dia provavelmente fizeram pescoços girarem ao passar. Molly suspirou enquanto direcionava o esguicho da mangueira na direção dos fios que aos poucos perdiam o tom avermelhado e revelaram seu loiro natural.

— Ela foi atropelada por um ônibus? — perguntou Sherlock Holmes que havia entrado na sala e se aproximado sem fazer barulho.

— Por Deus, Sherlock! — exclamou a mulher, metade com raiva pela atitude do namorado, metade se divertindo com sua maneira sempre espontânea de agir com dela.

— Me desculpa, amor — pediu ele beijando os cabelos de Molly antes de se afastar um pouco. — Notei que você estava concentrada, mas achei que tinha percebido a minha chegada.

— Tudo bem, — respondeu ela com um sorriso sincero. — É que nem sempre consigo deixar de pensar no quão ruim é uma vida ser interrompida. Principalmente dessa maneira tão brutal.

O homem se afastou até a bancada mais próxima para não atrapalhar o trabalho da patologista.

— Foi realmente um ônibus? — quis saber ele com os braços cruzados unindo as duas metades do seu tradicional Belstaff sobre o peito tendo reparado as grandes lacerações e hematomas no corpo da falecida.

— Não, — declarou Molly desligando a mangueira e tirando as luvas que usava. — Um carro em alta velocidade com um homem bêbado atrás do volante. Greg me falou quando passou por aqui. Ela foi resgatada com vida, mas chegou morta ao hospital.

— Uma fatalidade... — comentou Sherlock como se fosse uma desventura cotidiana.

— Que poderia ser evitada se as pessoas tivessem um pouco mais de compaixão, mais respeito pela vida — a patologista passou por ele para pegar uma etiqueta na gaveta. — Seja quem for, não pensou que poderia estar acabando com os sonhos de uma pessoa, o amor da vida de alguém. Agiu puramente com egoísmo.

Molly colocou a etiqueta sobre a bancada ao lado de uma prancheta e copiou dela as informações de identificação da jovem.

Sherlock não conseguia parar de olhar para a namorada, cada vez mais encantado com a empatia que ela sentia por pessoas que sequer conhecia.

Com determinação e prática ele aprendeu a sentir aquilo pelas pessoas que amava, mas estranhos com quem nunca havia sequer conversado ainda eram um desafio. Definitivamente nunca teria um coração tão benevolente quanto o de Molly.

— Descanse em paz, Susan — disse a mulher enquanto amarrava a etiqueta de identificação em volta do polegar do pé esquerdo da jovem. — Gostaria de ter podido fazer mais por você.

O casal trocou um sorriso singelo antes de a patologista tirar do gancho o fone da linha interna do hospital e avisar que o corpo estava pronto para ser levado para armazenar até a família o requisitar para o velório.

Molly pegou um lençol branco no armário e cobriu a mulher nua para só então dar o dia como encerrado e deixar o local. Ela e Sherlock cruzaram com os responsáveis por levar o corpo arrastando uma maca com um saco preto dobrado em cima no meio do corredor a caminho do vestiário.

Poucos minutos depois de se trocar, deixando o jaleco pendurado no armário e recebendo a ajuda de Sherlock para vestir seu casaco marrom claro e colocar o cachecol listrado de preto e magenta em volta do pescoço, Molly pegou sua bolsa e a dupla seguiu de mãos dadas em direção ao elevador.

Descanso para a almaOnde histórias criam vida. Descubra agora