Prólogo

541 52 36
                                    

A estrada sob o véu da noite era tranquila.

Mikasa olhava a paisagem com entusiasmo. Era a primeira vez que teria uma viagem em família. Seus pais planejaram em ir na casa de Kenny, um tio de seu pai, para passarem as férias de inverno juntos. Como Hizuru era muito longe de Paradis, decidiram viajar de madrugada para chegar de manhã. Acreditavam ser a melhor alternativa para evitar o trânsito.

Sua mãe, que estava grávida, dormia serenamente no banco passageiro e seu pai dirigia pela estrada, vibrando com a melodia que saía do rádio. Ouviam o álbum A Night at the Opera, do Queen, a banda favorita dele. Mikasa, que estava sem sono, acompanhava a cantoria com entusiasmo durante o caminho. Frequentemente ambos cantavam juntos, era sempre um momento de pai e filha importante. Quando a última música acabou, virou seu rosto para o banco de trás e sorriu docemente para sua filha, que retribuiu com um sorriso radiante.

E então aconteceu.

A última coisa que se lembra foi das luzes do farol do caminhão queimando seus olhos. Um forte impacto, som do metal do carro se torcendo e gritos de horror abafados. Depois, escuridão.

Mikasa acordou em uma cama de hospital desorientada. O som do soro pingando, o barulho agudo do oxímetro e da televisão ligada invadiram seus sentidos. Tentou se mexer, mas não obteve êxito. Arregalou os olhos e os direcionou para seu corpo. Notou que ambas pernas e seu braço direito estavam enfaixados e inúmeras bandagens cobriam sua pele. Flashes da noite anterior a atingiram com força e o desespero cresceu em seu coração. Antes de tomar alguma atitude precipitada, a porta do quarto se abriu. Um homem de cabelos pretos e óculos redondos se aproximou dela.

— Olá, eu sou o doutor Yeager. — O médico sorriu para ela. — Estou aqui para cuidar de você.

— Onde estão meus pais? — Ela conseguiu formular uma frase com sua voz trêmula. As feições de Grisha ficaram pesadas enquanto ele escrevia alguma coisa no prontuário. Depois de anotar, colocou a ficha em cima de uma mesa. Ele suspirou e puxou uma cadeira para perto da cama hospitalar.

— Mikasa, você se lembra do que aconteceu?

— E-eu lembro que eu, papai e mamãe estávamos indo para a casa do tio Kenny de carro. A-acho que alguma coisa bateu na gente... — Ela começou a balbuciar palavras sem sentido. Grisha segurou a mão dela com cuidado.

— Mikasa... você sofreu um acidente de carro. Seus pais chegaram em estado grave na UTI e eu fiz o possível para salvá-los, mas não consegui. — Ele a fitou com melancolia. — Eu sinto muito.

— Mamãe e papai morreram? Isso é mentira! Eles nunca me abandonariam! — Os olhos da garota se encheram de lágrimas. — Nunca... nunca...

— Você é uma pequena guerreira, vamos ajudar você a enfrentar isso. — Grisha apertou sua mão e tentou confortar sua dor enquanto ela continuava a soluçar desesperadamente. Tinha perdido tudo. Sua mãe, seu pai e seu irmão. Foi salva graças a um milagre, nem ela sabia porque foi abençoada com essa suposta sorte.

As semanas seguintes no hospital foram terríveis, com pesadelos constantes e uma solidão sufocante. A equipe médica e o doutor Yeager lhe proporcionaram um pouco de conforto, mas nada conseguia tirá-la desse inferno. Kenny e Levi a visitavam com frequência e tentavam dialogar. Ela sequer esboçava um sorriso. Grisha percebeu que deveria tomar uma atitude em relação à crescente depressão dela.

Um dia, enquanto Mikasa assistia televisão, ouviu o barulho da porta abrindo. Um menino que parecia ter sua idade entrou no quarto. Tinha cabelos castanhos, olhos brilhantes cor de jade e trajava um cachecol vermelho por cima de um uniforme escolar.

— Oi, você deve ser a Mikasa? Eu sou o Eren. Eren Yeager. — sorriu e colocou sua mochila em uma poltrona perto da janela. Ela observou seus movimentos em silêncio.

— Meu pai cuida de você, não é? Sempre vejo ele entrando nesse quarto... — chegou mais perto da maca. — Ele é aquele médico com óculos engraçados.

— P-por que está aqui? — Ela teve coragem de perguntar baixinho.

— Mamãe e papai trabalham o dia inteiro fora e depois da escola não tem ninguém para ficar comigo em casa, então eles me levam para cá. — Ele olhou para ela com uma feição brincalhona. — Papai me disse que você está muito tristinha. Deixou eu entrar no seu quarto para a gente poder brincar. Não é legal? Esse lugar é muito chato...

Ele estudou o quarto e seus olhos recaíram sobre a televisão ligada, que transmitia desenhos animados aleatórios.

— Oh, você gosta de Pica-Pau? Eu amo esse desenho!

— Gosto sim... quer assistir comigo? Não posso brincar agora... não consigo me levantar.

— Claro! Na recepção não passa desenho, só coisa de adulto. — O garoto se sentou na cadeira perto da maca e começou a assistir com ela. — A gente brinca depois.

Então eles assistiram juntos a tarde inteira.

Quando a noite caiu, a temperatura baixou drasticamente. A janela aberta soprava uma brisa gélida sobre as duas crianças. Eren se aquecia com seu casaco da escola e com o cachecol de lã, mas Mikasa estava exposta com a fina camisola hospitalar. Ela começou a tremer com o contato agressivo do vento.

— Você está com frio? Toma. — O moreno desenrolou o cachecol carmesim do pescoço e envolveu no dela por cima dos curativos. Ela corou com aquela demonstração de cuidado tão repentina. — Pronto, está quentinha agora.

E aquela seria a primeira de muitas vezes que Eren enrolaria o cachecol vermelho em Mikasa.

Halloween ConfessionsOnde histórias criam vida. Descubra agora