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ESTOU TERMINANDO de ler os poemas fúnebres do caderninho, apenas porque é uma boa distração, quando Erin surge na fresta da porta do meu quarto escuro. Os olhos castanhos, iluminados pela única luz do abajur, refletem a tristeza que habita em mim também. Então, ela se aproxima e fica de joelhos na cama.

— Está ocupada? — Sua voz é um deleite para mim. Respondo com um menear de cabeça, negando. — Você leu a sua carta?

Não sei o que responder. Ela é minha irmã mais nova, não quero que veja o quanto sou fraca. Então digo que sim, mas, a verdade é que tenho medo do que mamãe escreveu ali. Ela era escritora e eu sei como suas palavras costumavam ser poderosas. Então, tenho medo de que isso seja a minha ruína, medo de que aquela carta me destrua.

— Acabei de ler a minha — ela diz, brincando com seus dedos. — Eu...

Erin desaba. Começa a chorar desesperadamente e eu a puxo para perto, escondendo suas lágrimas em meu abraço. Respiro devagar porque não quero chorar também.

— Eu só queria que ela estivesse aqui. Queria ouvir essas palavras da boca dela e não ter que ler isso em um papel. — Ela estremece sob meu abraço.

— Erin.

Me obrigo a segurar as lágrimas, enquanto enxugo as dela. Seus olhos se fecham e minha irmã respira fundo, se recompondo.

— Nós vamos ficar bem — digo a ela, me esforçando para acreditar também. — Eu prometo.

Ela assente com a boca entortando em mais um soluço recheado de lágrimas quentes. Volto a abraçá-la. Seus braços ao redor da minha cintura, apertando-me como se eu fosse sua salvação. Isso me machuca de inúmeras formas. E agora também choro.

 Eleanor Anderson costumava ser a pessoa mais feliz que já conheci

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 Eleanor Anderson costumava ser a pessoa mais feliz que já conheci. Ela tinha um brilho próprio que a fazia o centro das atenções em todos os lugares. Ela era incrível. Minha pessoa favorita no mundo inteiro.

Lembro como ela sempre ia e voltava das quimios com um sorriso no rosto. Essa é uma das coisas que mais vou sentir saudade.

Lembro dos banhos de chuva e das festas de pijama em família e dos bolos de aniversário que ela mesma preparava.

Também lembro das histórias que ela me contava antes de dormir e da primeira vez que li um livro que ela escreveu. Fiquei tão orgulhosa porque sabia que mais nenhuma criança que eu conhecia tinha uma mãe que criava histórias sobre fadas exiladas que se apaixonavam por príncipes amaldiçoados.

Eu sabia que ela era especial e acreditava que isso me fazia especial também.

Erin se remexe ao meu lado. Ela não queria dormir

sozinha, então a deixei ficar porque também não quero ficar sozinha.

Afasto seu cabelo do rosto devagar, para não acordá-la. Observo sua expressão plácida por alguns segundos e me pergunto o que ela está sonhando.

Espero que sejam mais felizes que os meus sonhos. Fecho os olhos e tento silenciar a mente, ignorando cada pensamento sobre a mamãe ou sobre a escola e tudo o que me causa ansiedade, então, estranhamente, Ryan Matthews ganha a minha atenção. Aqueles olhos verdes hipnotizantes fazem meu coração acelerar, em meio à escuridão fantasmagórica do meu quarto, e volto a abrir os olhos, assustada. Não. Não, não, não! Ele pode ser bonito, mas é um idiota irritante. Um idiota irritante muito, muito bonito. Com lindas maças do rosto e sardas. SARDAS.

Eu o odeio por me fazer pensar nele dessa forma, mas foi gentil ao me dar o caderninho de poemas. Apesar de não ter me ajudado muito, foi um gesto fofo, não foi?

Não, Emily. Não é hora para isso.

Me levanto da cama, silenciosamente, me esticando toda para calçar as pantufas sem despertar Erin.

Quando saio do quarto, dou um suspiro de alívio e desço as escadas. Ouço um barulho na cozinha e sigo até lá.

— Pai? — chamo, ao vê-lo sentado em frente à mesa com as mãos escondendo o rosto. — Não conseguiu dormir?

Ele afasta as mãos do rosto com um sorriso cansado, e olha para mim. Nem imagino quão difícil está sendo. Os dois se amavam tanto.

— Não. Ainda é estranho não tê-la por perto — ele suspira. Quase posso vê-lo se revirar na cama durante à noite, sentir o cheiro dela nos travesseiros e não poder vê-la ou tocá-la. Sinto um embrulho no estômago. — E você?

Dou de ombros.

— Sonhei com ela.

Foi mais um pesadelo. Eu estava sentada em frente ao seu túmulo e quando lia seu nome na lápide, começava a cair e cair, como Alice na toca do coelho.

Talvez seja o castigo por ter virado as costas para a lápide ontem, mas eu simplesmente não consegui ver seu nome ali.

— Vem aqui — ele diz, descendo da cadeira e abrindo os braços para mim. Vou até ele como uma criança correndo atrás da pipa.

Aperto seu corpo, inalando seu cheiro e memorizando cada detalhe desse momento porque se algo acontecer, quero lembrar disso.

— Eu te amo, pai — sussurro, engolindo o choro que luta para se libertar.

— Também te amo, filha.

Ele se afasta, deixando um beijo em minha testa e voltando a se sentar. Faço o mesmo e observo meus dedos pálidos sobre a bancada de mármore.

— Eu estava pensando e acho que a terapia nos ajudaria. O que você acha?

Não gosto da ideia. Mesmo quando olho no fundo de seus olhos, sob a luz fraca da cozinha, vendo o quanto ele quer que eu diga sim, um cenário onde eu converso sobre os meus sentimentos com um completo estranho ainda parece constrangedor demais.

Então, apenas dou de ombros.

— Eu não sei.

Ele não diz nada por alguns minutos. Não gosto do silêncio, faz meu coração acelerar. Ele dá voz aos meus piores pensamentos, é uma armadilha. Por isso dou um jeito de fugir dele.

Olho para o meu pai e ele olha de volta.

— Quer panqueca da meia-noite?

Seu sorriso era o escape de que eu precisava.

— A resposta para essa pergunta sempre vai ser sim.

Dou risada e me levanto para pôr a mão na massa.

— Certo.

Panqueca da meia-noite era a receita da mamãe para curar insônia. Sempre que Erin e eu não conseguíamos dormir, ela preparava uma panqueca, não importava quão tarde fosse, e cobria de melado. Depois comíamos na varanda, olhando as estrelas até o sono chegar. Meu corpo dói quando penso que nunca mais vou fazer isso com ela.

 Meu corpo dói quando penso que nunca mais vou fazer isso com ela

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