Na areia de Copa

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Ei, eu tô aqui. Na tua frente. Tem tanta coisa acontecendo ao redor, que você demora pra me notar. Mas você me nota. Eu fico depois das ondas, do vento que sacode as umbrelas na orla, do grito dos vendedores de coisas que não nos fazem falta, mas compramos assim mesmo. Eu estou jogada sobre uma canga vermelha e meu biquíni amarelo é um farol. Você não demora a perceber que o tecido entra nos sulcos da minha carne e logo te invade uma vontade de me foder.

É assim mesmo. As linhas do meu corpo provocam desejo. Você não é o primeiro e nem o último será. Preciso afastar o biquíni pro lado, pra tirar areia da minha virilha, onde tatuei o mapa da Costa Rica. O tecido fica na iminência de escalar e deixar que um dos lábios da minha boceta apareça. Não acontece. Você suspira. Você quer me tocar. Por isso é que aperta o pinto, embaixo do short de banho. Porque quer me comer e eu não vou te dar.

Uma xoxota é a coisa menos valiosa e, ao mesmo tempo, a mais valiosa do mercado. E sim, vivemos em um mercado e tudo, absolutamente tudo, está cotado. E se você não se deu conta disso até agora, sugiro que não tenha herdeiros. Certamente, você não está preparado para educar ninguém. Precisa ainda cuidar da sua própria educação. Xoxotas já começaram e terminaram guerras. Helena de Tróia foi a boceta mais trágica da Ilíada e o desejo incontrolável de Páris levou os troianos ao massacre dos gregos, comandados por Aquiles. A xoxota pacificadora por excelência foi a de Maria. Boceta santa que pariu o redentor e acabou com a guerra travada por Deus contra a humanidade.

Então, você me olha fixo e eu posso ver a caldeira dentro do seu corpo fumegando. O desejo não correspondido gera um misto de desgosto, ansiedade e raiva, que acabam formando um coquetel em ebulição. Você poderia beber tudo em um só gole, mas as doses são administradas em pequenas quantidades e o sofrimento se torna um fetiche. Você não vai me comer e a sua desgraça é agridoce. O grito sufocado pela necessidade de autocontrole faz as paredes da tua sanidade racharem. O senhor chega mesmo a pensar em me estuprar. Que animal patético.

Alguns me diriam que eu brinco com fogo, "atiçando" os homens dessa forma, mas eu digo que sou a detentora da chama, a que porta a labareda, a que controla os incêndios e reduz a cinzas os jardins do Éden. Um mero pedaço da minha boceta e temos um cidadão que está prestes a gastar o réu primário por nada. Viro de costas. Meu biquíni é tão pequeno, que você pode ver a auréola estriada que orna a entrada do meu cu. Você nunca viu nada tão convidativo e teu pau está prestes a explodir dentro do shorts. A boca tá cheia d'água e você imagina vividamente o cheiro dos meus orifícios e o gosto do suco que escorre da minha boceta. Novamente, é de dar pena.

Tudo bem. Você quer muito me comer e agora a praia toda sabe disso. Está de pé e passa a mão descaradamente sobre o pinto duro, colocado de lado na cueca, pra chamar menos a atenção. Está esfregando e me olhando, na esperança de que eu faça um sinal pra que você se aproxime. Eu prefiro morrer soterrada por um prédio de vinte andares, mas você não sabe disso e pensa que tem alguma chance, ainda que remota. Tadinho. Não pode enxergar um palmo à frente do nariz. Deve ser bem difícil ser você, com um mundo tão complexo diante de uma estrutura intelectual tão aquém do necessário, né? Pobrezinho. Depois que a mamãe foi embora, ninguém mais deu aquela moral, né? De repente, o mundo ficou cinza. Acabou a fonte de amor incondicional e a realidade grita nos teus tímpanos: VOCÊ É UM MERDA. Eu sou apenas a porta-voz da vida.

Você se aproxima, sente dúvida e volta. Não pode desistir, mas o corpo fraqueja diante de algo tão arrebatador: meu rabo pro alto, imitando o Dois Irmãos, o Arco da Avenida do Samba, o símbolo do McDonald's e tudo o mais que nos lembra um par de bochechas firmes, lisas e com um brilho que reflete a luz, como só as coisas suculentas têm. O chocolate perfeito, a lataria perfeita, os olhos perfeitos. E meu rabo. Não é uma coisa gigantesca, um acúmulo exagerado de adiposidade. Não. É discreto, quando coloco uma roupa elegante, mas quando enfio o biquíni até o rego, as bandas saltam aos olhos e a superfície tenra das minhas nádegas converte o mais incrédulo em devoto. É de chorar.

Você se aproxima e me diz que o dia tá lindo, como eu sou. A minha beleza é tão óbvia que não te permite falar outra coisa. Você chega já se arrastando, já entregue, já sem defesas e completamente manipulável. Como é que se pode sentir mais do que pena de alguém assim? Você só vê o óbvio e tudo que está na superfície é suficiente. É como um cãozinho, mas sem a parte fofa, e por isso que vem a pena. Quem é você? Como alguém que sabe tão pouco de si, que se importa tão pouco com o impacto da própria existência no mundo, pode querer alguma coisa com alguém que sabe exatamente o que quer da vida, essa breve e imprevisível estadia? Delirante. Caminhante sem norte. Perambula por aí, até o dia em que não puder mais e então terá uma morte medíocre e se apagará da história feito um mosquito na noite.

Eu saio. Você vem atrás, porque não desiste nunca. Está sentindo agora raiva de mim. Minha arrogância te deixa irado e você martela na cabeça uma ideia totalmente na contramão daquilo que o teu corpo diz, "já nem sei se gosto tanto dela", você mentaliza e transforma em mantra. Mas você gosta. Não um gostar sadio e fruto da nossa interação, amigável e agradável a ambos. Não. Você gosta, como um urso gosta do mel e não se importa em destruir a colmeia. Você gosta, como piranhas que sentem a presença da vítima no corpo aquático e se atiram sobre ela, para devorá-la, em minutos. O teu gostar é um desejo de consumo que se mistura a uma vontade igualmente grande de exibir a presa como troféu. Você acha que mulher é onça. Eu sigo pro meu carro, no estacionamento perto da praia, tocado por três homens da mesma família.

Antes que eu possa entrar no carro, você se aproxima. Tuas palavras são rudes e me acusam de me achar melhor do que você. Só ouço verdades, mas o que digo é que não quero confusão e que estou indo embora. Você diz que eu não vou embora, antes de pedir desculpas. Meu estômago arde. Você insiste que só desculpas podem me liberar hoje, ou então o carro não sai do lugar. Um passo à frente e entendo que se tentar abrir a porta, você vai me impedir. Eu digo que não fiz nada de errado e você sorri, dizendo que não é quem ofende que decide se ofendeu e diz que aprendeu isso com o Emicida. Eu penso que contexto é tudo e lamento tua exegese.

Os outros homens vêem que você está me acossando e não fazem nada. Ao contrário, eles acham que é o momento de ir lá fora, para fumar um cigarro e deixar a gente mais à vontade. Eu também acho que é uma boa escolha, a esta altura. Quando você segura meu braço, dizendo que ou eu peço desculpas, ou a chapa vai esquentar, não demora pra começar a sentir que tomou uma péssima decisão. Então, sou eu que te toco e o meu toque é vampiro. Tua energia cede, lentamente. Teu corpo murcha. Tua pele resseca, teus músculos atrofiam e assim como uma cigarra, você morre grudado à superfície da árvore que fazia sombra sobre aquela parte do estacionamento.

Eu vou embora. Nenhum deles quer comentar. A polícia não acha nada e não existem câmeras na região. Os homens insistem que não há nada a dizer além do que foi dito, chegaram e encontraram aquela cena. As autoridades suspeitam de vingança. Alguns arriscam que foi a facção criminosa que toma conta da Favela do Popeye, que fica nas imediações. No entanto, a tua última visão foi a dos meus olhos duros e invictos sobre a tua cara ridícula e teus esforços pífios para se manter vivo. Por todas aquelas que caíram, eu sou o futuro inevitável de muitos e muitos homens que caminham neste mundo. Tantos cairão ainda, que o solo se fartará no sangue dos iníquos. Todos condenados pelos próprios movimentos insensatos, pela selvageria estúpida cultivada em suas almas e expressada no comportamento leviano.

O sol começa a se por no horizonte carioca. Há menos um demônio nas ruas. O cheiro do mar se mistura aos odores que permeiam o amanhã.

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