Ready

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Passaram-se alguns dias desde que conheci Miguel, ou melhor, desde que soube o nome dele porque esse garoto é uma incógnita para mim.
Estou sentada na calçada de casa quando ele passa. Reconheci o cheiro de longe, tipo, muito longe mesmo.
- Ei! – Miguel diz abrindo um sorriso. – Aline né?
- Oi, Miguel! Tudo tranquilo?
- Sim, sim. – Ele senta ao meu lado na calçada. – Só passei pra, sabe, continuar de onde paramos.
Eu não esperava por isso nem em um milhão de anos. Achei que depois daquela noite ele iria sumir ou aparecer interessado na Verônica, como todos os outros. Sem graça, respondi:
- Desculpa mesmo pela outra noite, eu precisava ir real oficial...
- Tá tudo bem. – Ele sorriu. De novo. Isso é algum truque?
- Então...Sempre morou aqui? – Perguntei.
- Não, mudei pra cá faz alguns anos. Eu gosto dessa calmaria e de como a gente pode até ver as estrelas de noite, sem tanta poluição, saca? Gosto de ficar em silêncio ouvindo os sons da noite e percebendo tudo como uma sinfonia da Natureza. – Ele responde olhando para o céu.
- Eu gosto do céu, mas de dia quando tem as várias formas de nuvens... – Digo.
Ele desvia o olhar do céu e passo a ser o centro das suas atenções.
- Sabe, você me parece ser alguém interessante...Intensa, saca? Parece que pra você todo dia é uma nova chance de viver algo novo e se entregar ao momento. – Ele diz isso me olhando de um jeito tão intenso, tão vivo, que por um momento me sinto como se fosse o Sol e ele a Terra girando ao meu redor.
- Onde você estava durante todo esse tempo? – Pergunto mais para mim mesma do que para ele.
- Pitty diria que eu estava aqui o tempo todo e só você não viu. – Ele responde.
- Talvez...
Meu coração estava batendo rápido demais para eu poder pensar em outra resposta. Nós estávamos sentados de frente um para o outro, perto o suficiente para as mãos se tocarem. Ele me olhava e eu encarava minhas mãos, com medo de que se o encarasse, ele pudesse ver até meus maiores medos. As mãos dele seguram as minhas e sou obrigada encará-lo.
- Miguel...
- O que? – Ele pergunta.
- Você frequenta a biblioteca?– Digo e desenlaço nossas mãos.
- Algumas vezes no ano. Por quê? – Ele pergunta e chega mais perto.
- Só estou tentando lembrar de onde te conheço...foi aí que paramos, certo? – Respondo e me afasto.
- Certo. – Ele parece não se incomodar com meu recuo. – Algum outro lugar em mente?
- A escola?
- Provavelmente. – Ele sorri. – Agora que já descobrimos de onde me conhece, podemos falar sobre como quero te conhecer?
- Perdão? – Pergunto sem entender.
- Eu quero te conhecer melhor. Não só, tipo, saber seu nome e onde mora, mas saber o que te move, quais são seus medos e a sua visão de mundo, saca?
- Entendi...
- Então, o que te move? – Ele pergunta e novamente chega mais perto de mim.
- Por que não responde primeiro? – Devolvo a pergunta.
- O que me move? – Miguel faz cara de pensativo e coça a barba imaginária. – Um bom desafio com certeza é uma motivação grande pra mim. Tipo aqueles desafios que parecem impossível de vencer e que ninguém acredita que você possa vencer, saca? Intensidade também me move, eu não sei viver sem sentir tudo e mais pouco...deve ser por isso que vivo me dando mal...Sua vez.
- Eu...não sei. Só vivo um dia de cada vez. – Respondo.
- Mentira né?
- Não.
- Saquei, saquei. O que o dia de hoje está te propondo? – Ele pergunta.
- Nada de interessante...
- Verdade? – Ele reveza o olhar entre meus olhos e minha boca.
Agora, ele está tão perto que fica difícil raciocinar direito. Então faço a única coisa possível de se fazer em uma situação dessas: Fecho os olhos e espero que ele me beije. Quando nossas bocas finalmente se tocam, sinto um desejo incontrolável crescendo em meu interior e, pelo jeito que me segurava, posso dizer que ele o sentia também. Estávamos combatendo fogo com fogo.
Quando senti as mãos de Miguel subindo pelo meu corpo, meu lado racional me trouxe para a Terra novamente e me afastei dele. O olhar em seu rosto era de um bicho ferido.
- Desculpa. – Falei imediatamente após.
- Tudo bem. – A voz soou robótica. Assustadora até.
- É que, não me leve a mal, mas não te conheço direito. – Chego perto de novo e seguro as mãos dele. Ele recusa meu toque.
- Acabei de abrir minha alma pra você. Isso não foi suficiente? – Ele pergunta.
- Miguel...
- Esquece, vai. – Ele parece chateado de verdade.
- Você é um furacão, sabia? É tranquilo dizer que as pessoas mudam, mas você... – Respiro fundo antes de continuar. – Você todo dia tem uma nova personalidade, naquela noite pareceu me odiar e depois me amar e agora parece me odiar de novo. Seu olhar e todas as coisas que diz...Miguel, você está testando a minha paciência.
- Estou? E por que continua aqui? – Miguel pergunta. Agora ele parece ofendido, devo ter pisado em algum calo.
- Eu não sei. – Respondo com toda sinceridade.
- Então me procura quando descobrir, tá legal? – Ele levanta e vai embora. Simplesmente me dá as costas e não olha para trás nenhuma vez.
Eu fico lá parada, pela segunda vez, tentando entender o que acabou de acontecer. Miguel parece gostar de começar mil incêndios só para ver o que eles conseguem fazer e depois os congela, como se fosse o inverno em Julho. Mas a culpa é minha, eu sempre me apaixono pelos garotos tímidos, o que estava esperando?

This SummerOnde histórias criam vida. Descubra agora