Estou aqui

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POV KARLA

Me chamo Karla, tenho 23 anos, a pele clara, cabelos negros lisos e cumpridos. Não me considero alta e nem baixa. Nasci no Rio de Janeiro, mas me criei em Porto Alegre.

Nasci deficiente visual (cega), o parto foi difícil, sou filha única, fui criada pelo meu pai e pelo meu irmão, o Edson, mas ele prefere ser chamado de Ed.

Sou estudante de artes cênicas (teatro). Algumas pessoas se assustam por dizer que faço faculdade.

Já ouvi perguntas como:
Mas você não cai do palco?
Como você lê o texto e decora?
E quando você vai pegar algum objeto cenográfico? Você dá conta?
Você só é escalada para papéis de deficientes visuais não é mesmo?


Admito, é um saco as pessoas colocarem delimitações, barreiras que eu mesma não coloco.

Mas não dizem por aí que a vida é pra quem tem coragem? Bom, essa sou eu!

Um dia, andando pelo parque, voltando da casa da minha preparadora de elenco, dispensei meu irmão, eu queria ficar um pouco sozinha, arejar a cabeça.

Pode parecer coisa de outro mundo, mas sair sozinha é algo tão normal para mim, do mesmo jeito que deve ser para você que me lê neste momento.

Senti que tinha alguém me seguindo e resolvi apressar o passo, e quanto mais rápido eu andava mais essa pessoa andava também.

Foi quando senti que alguém tira da minha mão o meu Bastão de Hoover (Bengala que nós cegos usamos para andar de maneira mais tranquila e segura), escutei a risada do rapaz, e comecei a gritar. Tentei pegar meu bastão mas tropecei e cai

Não demorou muito e escutei esse mesmo rapaz gritando de dor e uma voz feminina surgiu.

– Se mete comigo seu filho da mãe! – A moça disse exaltada

– Tá doendo moça, me solta sua louca!

– Vai doer mais quando eu partir sua cara.

– Calma, calma! Eu só estava brincando.

– Ah, é? Idiota! Agora é a minha vez de brincar com você também!

– Ai ai ai, não, me solta pow! – Ele gritou e escutei um estralo. – Ai meu dedo! Pelo amor de Deus me solta.

– Eu vou te soltar, e se eu te ver de novo eu juro que eu viro seu pescoço seu malandro!

Escutei os passos do cara indo embora, correndo.

E a voz doce se dirigindo a mim.

– Dá a mão pra mim... Estou na sua frente, estique sua mão... Isso, muito bem.

– Muito obrigada, moça.

– Não precisa agradecer, toma seu bastão. Seu lado esquerdo, isso.

– Qual seu nome? – Perguntei.

– Anita, e o seu?

– Karla

– Lindo nome, você está acompanhada? – Anita me perguntou curiosa.

– Não, estou voltando pra casa, mas não se preocupe, não fica longe.

– Se quiser eu lhe acompanho, é perigoso.

– Imagina! Não quero atrapalhar você.

– Não atrapalha, e no mais eu fico mais tranquila em te deixar em casa. Nem que seja por hoje.

– Bom, sendo assim eu aceito! E podemos ir conversando.

- Ótimo.

Eu não costumo sair com estranhas, mas Anita parecia ser bem confiável. Fomos conversando até chegar ao apartamento, por pura coincidência meu irmão estava chegando com sua namorada.

E quando ele me viu eu contei tudo para ele, óbvio que ele ficou super agradecido de a Anita ter me defendido. Tanto que a chamou para comer uma pizza conosco no apartamento.

Ela negou a princípio, mas meu irmão é bem insistente e ela resolveu entrar.

Sentamos para comer, meu irmão começou com o interrogatório

– Então Anita, você mora aqui perto?

– Não, eu moro do outro lado da cidade. Estava arejando a cabeça, resolvi passear na praça.

– Você foi um anjo enviado para ajudar minha irmã, só pode. – Percebi pela voz que meu irmão sorria.

– Foi só uma feliz coincidência. - O celular de Anita toca, ela se afasta um pouco para poder atender. Não escutei muito bem, pois minha cunhada não parava de rir das piadas do meu irmão. Mas o clima era tenso na ligação, tanto que quando ela voltou por mais que ela disfarçasse, percebi que sua voz estava diferente, meio estressada. – Desculpa a demora.

- Fica tranquila, senta aí. – Minha cunhada disse. – Quer de calabresa ou de frango com catupiry?

- Calabresa, obrigada.

Após comida e interrogatório do Ed, ele e a minha cunhada foram lavar a louça e então eu e Anita ficamos sozinhas.

– Anita.

– Sim.

– Desculpa te perguntar isso, mas você voltou meio estressada da ligação, não me diga que eu atrapalhei de ir em algum lugar? Um encontro por acaso?

– Não, é só minha namorada... Nós estamos com alguns problemas. – Ela respirou fundo. – Não sei por quanto tempo ainda vou chamar ela de namorada, nossa relação está na UTI.

– Que chato, espero que vocês se resolvam. É ruim ficar assim com quem a gente gosta.

– É péssimo! Mas a questão é que pra ela está tudo bem. Ela não enxerga o problema, diz que eu estou sendo chata ou orgulhosa. Enfim, não quero te aborrecer com isso.

– Imagina. Você me ajudou tanto hoje, o mínimo que eu posso fazer é te escutar.

– Admito que preciso de alguém pra me ouvir, já que ela não faz isso.

– Aqui estou. –Sorri.

Dá a mão para mimOnde histórias criam vida. Descubra agora