Capítulo Único

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Nos dias chuvosos, Gaara gostava de esquecer os afazeres como professor de música — ignorando as provas sem correção, leituras da matéria que lecionava e até mesmo desligava o celular para evitar qualquer ligação do trabalho. Aquele era o momento onde esquecia-se do mundo, encarava as gotículas de água na janela e admirava a visão do jardim impecável de sua esposa, enquanto os dedos percorriam as teclas do piano, perdendo-se numa melodia aleatória carregada de sentimentos, ora melancólicos, ora alegres.

Lembrava-se da viagem até a França, onde decidiu se estabelecer após concluir a faculdade. Gostava do clima, das pessoas e do idioma, mas, principalmente, amava estar com a dona dos olhos mais hipnotizantes que já encontrou: Ino Yamanaka. Recordava-se do perfume que ela usava naquele dia nublado quando, durante um passeio — após resolver toda a burocracia do intercâmbio —, esbarraram-se e confundiram a língua francesa com a japonesa, arrancando boas risadas pela coincidência.

Desde aquele encontro, Gaara nunca mais foi o mesmo, afinal, sempre a via passar pelo parque, onde fazia questão de admirar as flores. Era fascinante a visão dela sobre o mundo, a voz desafinada quando cantava e os passos ritmados nas festas. Não demorou muito para se apaixonar, muito menos para que pudessem se casar.

A vida coloriu-se assim que seu destino encontrou o dela.

Contudo, naquele fatídico dia, nada fluía com perfeição, incluindo sua folga para apreciar a melodia gostosa do piano. Tentou tocar qualquer música, apelando até mesmo para Mozart, mas Gaara não transmitia a mesma emoção — era dedilhar por hábito; frio. Frustrava-se com facilidade, ainda que a ira estivesse escondida nas feições tranquilas, e aquilo o aborrecia de diversas formas; não era comum um professor de música — principalmente ele —, abster-se de inspiração.

Afastou-se bruscamente do instrumento, torcendo para que a rotina voltasse à normalidade com aquela atitude, onde buscou calmaria ao examinar a beleza da paisagem, debruçando-se na janela. No entanto, era impossível aquietar-se e, no minuto seguinte, já dava voltas pela sala, ouvindo a madeira ranger sob os pés impacientes.

— Sabia que posso ouvir esse barulho todo no andar de cima? — A voz rouca de Ino soou enquanto descia as escadas, vestindo apenas a camiseta azul marinho dele. — Você é muito barulhento, deveria relaxar.

Ao se aproximar, as mãos femininas se entrelaçaram na nuca do marido a fim de acariciar os fios ruivos com delicadeza. Enquanto isso, Gaara deslizava a ponta dos dedos pela bochecha rubra, detendo-se em uma das mechas do longo cabelo dourado.

Ela era como um sedativo para a frustração de um artista e a calmaria em meio a tempestade do lado de fora da casa.

— Desculpe, te acordei do sono da beleza? — A risada dela era melodiosa e, em meio ao abraço que recebia, ele continuou a conversa, buscando conforto não só em seus braços, mas em seus conselhos: — Não consigo tocar, acho que minha inspiração acabou.

— E se cobrar por isso não adiantará em nada. Vou preparar um café, talvez isso te ajude ou me faça pensar em uma solução.

A sensualidade, nos mínimos movimentos, era um dos dons inatos dela, principalmente ao andar até a cozinha, despreocupada com a aparência. Gaara amava reparar nos pequenos detalhes da sua esposa, no entanto, culpava-se por ter ficado distante no último mês, atolado de papeladas para resolver.

Misturando a bebida com canela, Ino estendeu a pequena xícara para o marido, encontrando os olhos verdes brilhando.

— Podemos voltar para cama e fingir que não temos nenhum trabalho. — Apoiando-se com os cotovelos na bancada, ela observava o sorriso malicioso dele aumentar e escondia o próprio enquanto bebia o café. — E ficar até amanhã para comemorar o meu aniversário, o que acha?

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