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O céu estava nublado quando Wilhelm saía da clínica.

Após parar no meio da calçada e olhar para as núvens acizentadas, ele soube que logo mais a chuva cairia.

Podia ter sido como um sexto sentido de mãe quando manda você levar o guarda-chuva antes de sair de casa, mas não era preciso nenhum dom especial para desvendar que uma tempestade estava a caminho. E Wilhelm não tinha nenhum guarda-chuva em sua mochila, uma mãe com certeza teria.

O vento batia sem gentileza em seus fios louro escuros enquanto esperava no ponto de ônibus. Com as mãos no bolso de seu casaco pesado, ele observava a rua enquanto um rock indie qualquer tocava em seus fones de ouvido. Tinha colocado uma playlist pronta do spotify em ordem aleatória, nada específico.

Já dentro do ônibus parcialmente vazio, escolheu um assento ao lado da janela. Sacou seu celular do bolso e, agora sentado, ele poderia escolher com calma a música que ouviria enquanto admirava a paisagem do caminho entre a clínica e sua casa, caminho esse que fazia toda terça-feira. Porém quando Wilhelm selecionou sua música favorita e a mesma começou a tocar, um desastre aconteceu.

Ela estava tocando apenas do lado direito do fone.

Franziu o cenho em confusão e começou a mexer o cabo próximo a entrada do celular de um lado para o outro, e quando a música aparecia no lado esquerdo e desaparecia de acordo com seus movimentos, Wilhelm teve a confirmação.

Bufou irritado e jogou a cabeça para trás, batendo a mesma no encosto do banco. Era incrível a facilidade com que seus fones de ouvido quebravam, não aguentava mais isso. Ele já tinha uma coleção de quebrados, funcionando apenas um lado, em seu quarto; poderia chamar até de cemitério. E agora mais um se uniria a eles.

Mais. Um. Maldito. Fone.

De repente o curto trajeto que seria um momento de paz e calmaria para Wilhelm, se tornou um momento de revolta e reflexão.  Agora ele encarava a paisagem com sutis traços de raiva em seu rosto, pois ouvir sua música favorita em apenas um dos lados do fone era quase como um castigo divino.

Alguns minutos se passaram, faltavam apenas dois pontos para que ele pudesse descer. Quando o ônibus parou em um farol fechado, Wilhelm avistou uma pequena lojinha de eletrônicos próxima à esquina e fixou seu olhar ali.

Ficou pensativo. Era perto de casa, e depois que ele se jogasse na cama, provavelmente só sairia no dia seguinte, o que resultaria em mais uma manhã tendo que ouvir música somente em um ouvido até sair da escola e poder comprar um fone novo. Então quando o farol abriu e o ônibus voltou a andar, Wilhelm tomou uma decisão.

Desceu do veículo um ponto antes de casa e começou a caminhar em direção à lojinha. O vento estava bem mais forte do que quando saiu da clínica, o que provavelmente indicava que a tempestade estava ainda mais perto.

Não era muito diferente de qualquer outra lojinha por aí. Pendurados nas paredes tinham carregadores, capinhas de celular, pen-drives, mouses de computador e todos esses trecos. Haviam também fones de ouvido, porém Wilhelm pensou duas vezes e decidiu que seria melhor pedir ajuda do vendedor para escolher um, já que ele mesmo aparentemente só fazia péssimas escolhas quando o assunto era tecnologia.

Dirigiu-se até o balcão que ficava no fundo da loja. Ele estava sozinho ali, não havia mais ninguém no estabelecimento. Pensou que se fosse alguém de má fé, poderia simplesmente pegar o que quisesse e sair vazado - mas Wilhelm não era esse tipo de pessoa, então tocou o pequeno sino de mesa prateado.

— Só um momento! — Uma voz se fez presente através da porta atrás do balcão, que se encontrava parcialmente aberta.

Wilhelm não disse nada, apenas assentiu mentalmente e colocou as mãos dentro dos bolsos, olhando ao redor enquanto aguardava. Então, menos de um minuto depois, um garoto saiu de lá de dentro e seguiu na direção de Wilhelm, parando do outro lado do balcão e apoiando as mãos no mesmo.

Os dois lados do fone de ouvidoOnde histórias criam vida. Descubra agora