Malditas lentes!

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A naturalidade em seu tom de voz o deixou atordoado. Atsushi tremia num manifesto do desespero, beirando um ataque de pânico. Sentiu o beijo suave da corrente de ar que os ultrapassou, aquele cumprimento elegante e breve em seus cabelos platinados trouxe a mente de Nakajima de volta para realidade segundos depois. Ele olhou para o moreno com ar de incredulidade. Apertou os punhos nervosamente.

— Sobre o que está falando? — repetiu devagar. Uma tentativa falha de conter o medo; este estava prestes a transbordar de seus olhos semicerrados.

Atsushi forçou um sorriso tão trêmulo quanto sua voz. Desfrutou do choque súbito enquanto Dazai deslumbrava seu rosto empalidecido.

— As lentes, Atsushi-kun. Eu quero que você as tire. — Por fim pediu ao jovem, mais tranquilo do que antes, conforme a culpa pesava nos ombros.

Inclinou-se para frente e a distância entre seus rostos encurtou, Osamu o encarou curiosamente a fim de obter uma confirmação. Embora olhasse seus olhos, ele não encontrava traços de cores — as quais contemplara antes em seus devaneios irreais, quase sonhos vívidos que perseguiam as sombras do passado. Ele sabia, de alguma forma, que havia cores para serem vistas nos olhos do pupilo. Havia beleza a ser reconhecida e admirada no silêncio tortuoso de Nakajima Atsushi. Baixou os olhos para a boca redesenhada por seus dedos; um toque singelo que fizera sem perceber durante seu discurso sobre quão solitário seria morrer com a ausência de uma bela dama. Pousou o polegar no lábio inferior recém umedecido de Atsushi e o esfregou tranquilamente, seus olhos desvanecidos na morbidez que consumia Dazai por dentro, ganharam um cintilar diferente após ele perceber a maciez inocente no lábio do garoto. Atsushi se afastou num ímpeto, as bochechas manchadas e o coração trabalhava de forma árdua, dirigiu ao mentor um olhar estranho; temeroso, diria, se não conhecesse aquela expressão. Apressou-se a dizer qualquer coisa que viesse à mente; por mais que não fosse de seu feitio perder controle dos pensamentos, Dazai expeliu a primeira frase que conseguiu formar: soltou um pedido reprimido no âmago para Atsushi.

Dessa maneira chegaram neste silêncio constrangedor. Trocavam olhares e estremeciam nas roupas quando visitados por novas correntes de vento, incapazes de escapar dos fios que os interligavam sem tornar a situação mais desagradável. Ficaram presos no desconcerto que lhes atingiu àquela tarde de outono.

— Eu não tenho lentes — afirmou momentos depois. O céu fora tingido de roxo e amarelo num misto encantador; a harmonia esbanjava emoções que eles, juntos, não podiam suportar. Atsushi recuou. — Não sei sobre o que está falando, Dazai-san.

A mão pequena, fria, delicada de Nakajima foi envolta pelas suas robustas. Osamu comprimiu os lábios, aturdido, preparado para puxar de volta a expressão adorável que costumava estar emoldurada com tamanho esplendor. Contudo, quanto mais olhava mais distante ele percebia-se daquele olhar brilhante. Dazai apertou a mão do platinado.

— Atsushi-kun. Seus olhos, deixe-me ver como eles realmente são.

Às vezes desejava poder contemplar a verdade por trás daquele véu nebuloso; a frieza no sorriso de Atsushi desde seu primeiro encontro desastroso guiava as batidas do coração do ex-mafioso diretamente para Nakajima. Aquelas esquivas breves e o olhar assombrado quando tentava o tocar apenas alimentou este sentimento surreal, ele disse a si mesmo que não passava de um comportamento enganoso pelo qual se fascinara por poucos dias — cujos prolongaram nas próximas semanas, depois meses. Atsushi tornou-se um problema. A causa de sua insônia e o único impedimento de suas tentativas miseráveis de suicídio. Entretanto, por mais que admirasse os segredos ocultos nos sorrisos envergonhados do homem-tigre, Dazai ainda observava aquele receio perdido nas írises solitárias do garoto, um olhar questionador e conturbado que acabou perfurando seu coração com brutalidade.

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