Capítulo 2

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"...estou petrificada observando o sorriso faceiro dele..."

Joana

Meia hora de conversa foi o suficiente para confirmar o que minha intuição gritou, logo que coloquei meus olhos sobre a loira estonteante na cozinha de tia Dolores.

Dona Tetê representava toda a força e autenticidade que era oprimida em mim por todos os anos de criação retrógrada. Percebi o intuito da tia quando a incentivava a falar mais e mais sobre sua vida e como chegou a Santino.

Um passado muito mais pesado que o meu, escolhas erradas que a fizeram caminhar por longos anos em uma vida destrutiva, até se libertar de amarras, crenças e conceitos que não a preenchiam como indivíduo.

E é neste ponto que nos identificamos.

Absolutamente nada do que vivi representa quem eu sou ou o que almejo, mesmo que no fundo ainda não soubesse, até temesse a um futuro livre de regras, o entusiasmo e alegria em seu tom me animava demais para descobrir.

Nós nos despedimos com a promessa de sair algum dia desses, quando obter uma folga da lanchonete, teremos uma noite de garotas no bar da cidade.

Assim que fico sozinha em meu quarto, deixando tia Dolores na sala com as novelas que ela ama assistir, deito a cabeça no travesseiro e levo mais tempo que o habitual para conseguir dormir.

A ansiedade sobre o amanhã, o futuro, preenchendo a imaginação e os sonhos, quando finalmente adormeço.

Acordo cedo na manhã seguinte, ouço um barulho vindo da cozinha e sorrio, sempre tive o hábito de levantar cedo, mas tia Dolores exagera, acredita que acordar com o sol ainda escondido é a melhor maneira de começar um novo dia.

Chego à cozinha e a vejo servir sua xícara com café, uma olhada rápida no fogão e o bule com água fumegante me espera, ao lado, na pia, uma caixa pequena com sachês de chá.

— Dia, dorminhoca.

— Ainda são sete da manhã, tia.

— E eu já adiantei metade da vida enquanto ainda dormia.

Sirvo a xícara vazia com água, pesco um sachê e mergulho observando a infusão acontecer. Balanço a cabeça quando a vejo torcer os lábios para minha ação, inconformada pela preferência.

— Vou cuidar da casa e depois sair em busca de ocupação.

— Se quiser, posso ver um trabalho na fazenda.

— Não! Definitivamente não quero me enfiar na roça.

— Imaginei. — Ela dá de ombros. — Preciso voltar hoje, ficar muito tempo longe torna aquele casarão um pandemônio.

— Com sua personalidade, não duvido que até os donos andem na linha. — Sorrio de lado quando ela estala a língua e torce a boca.

— Alguém precisa ter pulso para manter as coisas em ordem.

— Tem razão.

— Já ligou para os seus pais?

— Ainda... não.

— Sua mãe me ligou ontem à noite. Avisei que está tudo bem.

— Por que ela não me ligou? — Arregalo os olhos, incomodada.

— Ela só queria acalmar o coração, criança. Não precisa se armar de pedras.

— Eu não estou...

sim. Tu passou tempo demais trancada para acreditar que as pessoas só se preocupem com seu bem-estar. Eu sei bem como é isso.

[Degustação] Na Pegada do Patrão - Livro 3Onde histórias criam vida. Descubra agora