Capítulo 1

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Dezessete de Dezembro

Lena

É a pior época do ano. A pior não, a mais detestável época do ano. A alegria falsificada, as multidões bovinas, os corais que bebem tanto que até esquecem as letras e, é claro, os casais ingênuos que confundem espírito natalino com amor.

Alguém trombou de frente comigo me tirando dos meus pensamentos. Quando nos chocamos, um saquinho de glitter que ela carregava estourou e choveu sobre nós duas.

-Ei!

-Feliz natal! - a pessoa saiu correndo.

-Sério?! Derrubou glitter em mim? GLITTER?! - Tentei tirar ao máximo o pó brilhante do meu blazer, mas falhando miseravelmente considerando que glitter é o material mais diabólico já inventado: você pode tentar se livrar dele mas ele nunca vai embora.

As pessoas passavam por mim com rapidez, cheias de sacolas fazendo as compras de natal agasalhadas até os dentes. O frio em Nova York podia ser brutal de vez em quando.

Meu celular vibrou: era a minha mãe.

Mãe: Estou no aeroporto. Vc vai ficar bem com seu pai.

A indústria de emojis realmente precisa criar um que defina a sensação de ser abandonada pela mãe divorciada em pleno natal para que ela possa passá-lo no Havaí. Troféu mãe do ano para a senhora Lilian Luthor.

Não importa, não é como se em Nova York fosse acontecer um grande evento. Ou que eu fizesse qualquer questão de sequer comemorar o natal com ela. Ou comemorá-lo de qualquer maneira. Pelo menos o coro animado próximo ao coreto finalmente começou a cantar decentemente.

Segui meu caminho.

O frio apertava e eu podia ver uma multidão logo atrás de mim, alguma loja que se fechou e expulsou todos os clientes de uma vez. Eu apertei o passo, nessas horas só existe um lugar para se escapar dos rebanhos natalinos. Sabe, a maioria das livrarias e bibliotecas acham que devem fazer um curso de biscoitos para vender livros de confeitaria, mas não a Poinsettia.

Poinsettia é o nome de uma flor que - infelizmente - representa o natal, mas não só isso, ela representa a inteligência, acho que por isso escolheram esse nome para a minha livraria favorita. Não tenho certeza.

O local estava decorado em vermelho e verde - como todos os outros - e tinha uma boa quantidade de pessoas procurando livros para presentear. A primeira vez que havia visitado a Poinsettia foi com meu pai, quando eu era criança e o deixei completamente perdido ao pedir um livro de presente de natal, quando as rimas infantis eram fáceis demais para mim e qualquer coisa para uma criança da minha idade que não fosse uma boneca era muito difícil para que ele raciocinasse. Desde então eu já havia passado incontáveis tardes de fim de semana lendo todo tipo de livro, desde aqueles entediantes que a escola manda ler até as ficções mais elaboradas - que eu geralmente levava pra casa.

Havia uma boa quantidade de pessoas ali, provavelmente fazendo compras de natal. Eu apenas andava pelos corredores calmamente, observando os livros ao meu redor.

-Com licença - abordei o moço do balcão de informações - Isso estava no lugar errado, "Raquel Moller" deveria estar no M, não no R. Ah, e isso é ficção, não biografia - Entreguei o livro na mão dele.

-Hum, Obrigado - ele não era muito simpático - E garota, se um dia quiser trabalhar aqui, eu vou me lembrar disso.

Nota mental: Evitar conseguir emprego na Poinsettia.

Continuei passeando por entre as prateleiras, observando as lombadas dos livros esperando que algum me chamasse a atenção. O atrito dos livros grossos e antigos com meus dedos era bom, macio. Naquela seção todos eram encadernados em papelão antigo, as cores desbotadas e as páginas amareladas passavam pela centésima vez por entre meus dedos, enquanto eu caminhava tranquilamente no meio de todos aqueles universos presos em papel, somente esperando que alguém os abrisse para poderem sair. Essa era a magia da leitura, e porque eu a apreciava tanto.

Caderninho VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora