único

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O fim do mundo é tão inevitável quanto o fato de que bebês um dia serão adultos. Mas não há bebês e não há adultos. É o fim do mundo, afinal. Tudo que há é Remus. E então há Sirius.

– É bonito, não é? – Sirius pergunta quando os dois se sentam no parapeito de um prédio qualquer e observam as estrelas caindo no infinito do céu escuro.

– O fim? – Remus replica. O demônio sorri para ele e concorda.

De todas as coisas bizarras da existência que Remus fingiu entender por quase mais de oito milênios, Sirius é a mais curiosa delas. Na concepção fútil dos humanos, ele seria o Anjo. Sirius brilha, mesmo que seja com o fogo do inferno. Remus sempre invejou um pouquinho de toda aquela luz vaidosa.

Eles passaram a eternidade juntos e não houve um único dia no qual Remus não teve a certeza de que Sirius era todo o universo. Que Deus o perdoe.

– O sol explodirá em quarenta e seis segundos. – O anjo avisa. Sirius se ajusta, tomando cuidado para não cair do prédio. Ele é imortal, mas daria muito trabalho se teletransportar até lá novamente. Ele encara o rosto de Remus, virado de lado enquanto olha para o horizente da cidade abandonada.

– Você acha que eles têm um bom motivo para não terem vindo? – ele pergunta, se referindo a todos os anjos e demônios que não desceram para a Terra.

– Levando em conta que em menos de um minuto tudo será apenas Céu e Inferno e Eu e Você, acho que sim. – Remus responde. – Estão se preparando para a guerra após o Apocalipse e coisas assim.

O céu explode. A noite é dia e o dia é noite. O anjo e o demônio fixam o olhar na chuva de fogo e rochas, observando calmamente o mundo ir embora cada vez mais rápido.

– Uma pena que os humanos já tenham ido embora. – Sirius comenta e joga o cabelo comprido para trás. Remus prende a respiração. – Apesar que fiquei realmente surpreso por eles terem passado de 2020.

– Argh. – Remus resmunga. – O século XXI foi horrível.

Sirius dá de ombros.

– Fiz o meu melhor escolhendo os presidentes até 2053. Ainda não te perdoei pelo impeachment no Brasil em 2024.

Remus ri.

– Ainda também não te perdoei por aquele ano. Bolsonaro duas vezes, sério?

– Você sabe que o diabo não descansa. – Sirius sorri e o olha novamente. O anjo suspira, o calor e a poeira cada vez mais densos ao redor deles. Não é nada comparado com sua casa no inferno, Sirius pensa, mas ele aceitaria até mesmo as mais piores torturas para ter aquele momento para sempre.

– É realmente terrível que os robôs da Amazon tenham sido demais para eles. Vou sentir falta de cortar o sinal da internet e vê-los quase se matarem no meio da rua.

– Eu bem que tentei avisar para não confiarem na Alexa como babá eletrônica. Bebês são bem manipuláveis. – Remus constata, dessa vez também se virando para Sirius.

– No fim sempre somos nós, não é? Os últimos a ficar.

Remus pensa por um momento. Ele parece hesitar, uma ação não muito esperada vinda da um anjo. Anjos sempre sabem o que fazer e nunca mentem. Sirius adquiriu um certo carinho por eles depois de cinco milênios convivendo com um.

– Tudo nos planos de Deus, querido. – é a resposta que Remus dá. O demônio assente, sem querer questionar. Ele arqueia uma sobrancelha quando Remus continua. – Mas eu não me importaria, você sabe.

– Com o quê?

– Morrer. Aqui. Agora. Com você.

O interior de Sirius treme, se é que demônios tem um interior para sentir algo. Se seu coração for real, ele bate apenas por um motivo.

– Sabe, – Sirius diz. – também não me parece tão ruim passar o resto da não-existência com você.

Remus sorri.

– De fato. – ele responde. – Às vezes você é uma companhia extremamente agradável, Sirius.

– Você também, anjo.

As estrelas parecem ter acabado. O céu retoma a sua posição anterior de total escuridão e a única coisa que continua clara como sempre foi são os olhos azuis de Sirius. O silêncio, pela primeira vez no último século, não é ensurdecedor.

– Meio fraco para o fim do mundo, não acha? – Sirius pergunta, virando o rosto para os lados em busca de algo que ainda possa acontecer. Ele para quando Remus aperta sua mão com força e sussurra:

– Talvez esse seja o começo dos tempos.

Nem todas as estrelas fariam jus ao seu sorrisoOnde histórias criam vida. Descubra agora