Au bord de la passion

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A primeira coisa que Anahi sentiu ao abrir os olhos foi um extremo incômodo com a claridade, o que a fez fechá-los depressa. Quando os abriu de novo, devagar, sentiu tudo girar.

Que ótimo, não estava acostumada a beber e tinha exagerado ontem.

Aos poucos, as lembranças foram invadindo sua mente, em fragmentos. Sabia que tinha tomado algo, que tinha dançando, que tinha ido para casa com Dulce...

Dulce!

Se levantou de supetão, o que a fez se xingar porque estava muito tonta para se manter em pé. Ela se sentou e abaixou a cabeça, respirando fundo. Por fim, quando criou coragem para erguer a cabeça de novo, se deparou com a bagunça que estava no quarto, a cama desarrumada e os bichinhos jogados no chão. Olhou a porta do banheiro, mas estava aberta. Não havia ninguém ali.

Continuou passeando o olhar pelo quarto, em busca de algo, mas não havia sinal de nada — além da bagunça que ela mesma fizera — Era como se ninguém estivesse ali na noite anterior. Estranho.

Quando o olhar dela se fixou no relógio da cabeceira, ela arregalou os olhos. Estava mortalmente atrasada. Saiu chutando o lençol embolado em suas pernas, tirando a calcinha e o sutiã a caminho do banheiro mesmo. Mergulhou de cabeça em uma chuveirada fria, que foi ao mesmo tempo uma tortura e um alívio para sua dor de cabeça insitente. Soltou mais meia dúzia de palavrões debaixo d'água — aquilo estava ficando recorrente, ela percebeu — e saiu do box no banho mais rápido que já havia tomado.

Saiu do banheiro aos tropeços direto para o closet e pela primeira vez em muito tempo, mal reparou no que tinha pegado para vestir. Apenas se enfiou num conjunto qualquer de moletom, pegou sua mochila — que por sorte ela já deixava arrumada — e disparou rumo às escadas.

Mal olhou na direção da cozinha, não tinha tempo para sequer pensar em café da manhã. Mas quando ia saindo, deparou-se com sua mãe sentada no sofá, olhando para frente. O semblante de Erika era frio, sério.

— Por que não me acordou? — Questionou, chateada.

Anahi não obteve resposta. Erika só olhou para ela, mas segundos depois voltou a encarar o mesmo ponto fixo na parede branca da sala, como se apenas não estivesse mais ninguém ali.

— Eu vou me mudar daqui. — A voz de Anahi não saiu em tom de ameaça, era mais um aviso. Nem assim Erika se mexeu.

Com a mesma pressa que saiu do quarto, Anahi disparou para a estação de metrô. Não tinha tempo para lidar com a sua mãe agora, estavam nos últimos ensaios para o espetáculo e ela estava super atrasada.

Com certeza levaria uma bela bronca de Herrera. Bela maneira de começar o dia, pensou.

No entanto, Anahi estava enganada. O que a esperava não era uma bronca, um sermão, nem nada disso. Era muito pior.

Dulce Maria ensaiando como a Rainha dos Cisnes.

Ela ficou um tempo parada à porta do salão, completamente estática assistindo aquilo.  Se tivesse comido alguma coisa, certamente sentiria vontade de vomitar agora. Cada pirueta, cada salto, cada gesto de Dulce interpretando o seu papel fazia a boca de Anahi amargar, o estômago se contorcer. Ela cerrou as mãos em punho, tentando se controlar, mas não adiantou muita coisa. A raiva dela exalava pelos poros.

— Anahi, está me ouvindo? Vá se aquecer, você já está muito atrasada. — A voz de Alfonso e a figura dele bem a frente de si foi o que a despertou do transe. Estava tão absorta que nem se deu conta dele se aproximando. O perfume que ela já conhecia a inebriou, fazendo-a estremecer de leve.

— Desculpe, eu...eu tive um problema ontem. — Ela baixou os olhos, cansada.

Esperava tudo. Um Alfonso furioso, que brigasse com ela, que lhe passasse na cara sua irreponsabilidade. Mas não sabia lidar com aquele Alfonso com os olhos transbordando preocupação. Não quando ela sabia que não merecia, que realmente fora irresponsável.

Nas Asas do CisneOnde histórias criam vida. Descubra agora