Capítulo único - Sem cópias de mim

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"Uma cópia de algo que não é seu

Eu sempre soube que levei uma vida bem mais interessante que a sua

Mas não acha que já é um pouco demais

Sangrar como eu sangro?

Suor como eu transpiro?

Falar como eu discurso?

Sempre quis ser igual a mim

A cópia sem erros do homem que você sempre quis se tornar

Encarando meus defeitos como superficiais

Como falhas e lacunas bem disfarçadas em uma vida perfeita

Mas sempre haverá algo mais

Algo que sua reproduções não poderá cobrir.

Eu sangro como sangro

Eu suo como transpiro

Eu falo enquanto discurso

Enquanto eu caminho você corre

Enquanto eu disfarço você grita

Enquanto eu ajo você simplesmente repete

Há mais de mim aqui do que há em você

Então já pode parar

Aquiete, vá ser outra pessoa

Vá ser você em toda sua magnitude ou insignificância

Eu não me importo

Só vai ser algo que não seja eu

Ou o que você enxerga em mim"

Eve terminou de ler o texto e o deixou de lado. Sentiu um gosto amargo na boca, do tipo que já conhecia quando lidava com tipos como o do homem que estava a sua frente. Encarou Ian Gale, esperando alguma reação, mas seu olhar estava tão distante que ele poderia muito bem não ter ouvido nada que ela dissera.

- Foi para ele que você escreveu esse texto?

A sala fria pareceu mais gelada ainda. Homens os observavam por detrás de um vidro escuro, que dava o privilégio da vista somente para eles. Ian e Eve não precisavam vê-los para saber que eles estavam ali, ouvindo cada palavra dita.

- Foi para ele, Ian?

O homem finalmente ergueu o olhar, mas Eve ainda enxergava muito pouco mesmo encarando profundamente o rapaz.

- Ele não é a minha musa. – ele disse, simplesmente, antes de voltar a baixar o olhar.

- Mas parece se encaixar para mim... Um imitador, uma cópia que não te agrada. É um texto forte, Ian. O suficiente para dizer que não o queria por perto.

- É só um poema idiota, Evelyn. – ele riu pelo nariz. Brincava com o metal das algemas que envolviam seus pulsos, girando-os para lá e para cá. O movimento parecia distraí-lo; os dedos roçando uns nos outros, o ranger do metal enquanto era torcido. – Não serve de prova, se é o que procura.

- Eu não preciso de provas. Você confessou. Eu preciso de um porquê.

- Porque eu quis. Porque eu conseguia. – ele desviou o olhar. De repente, as algemas não eram mais um brinquedo tão divertido. – Achar um porquê vai fazer você dormir melhor? Se seu serviço é achar respostas, moça bonita, não vai achar nenhuma muito esclarecedora comigo. – ele voltou a rir. – "Por quê?" Porque eu tinha uma arma com balas dentro. Porque eu tenho uma boa pontaria desde que o meu pai me treinou. Porque eu gosto do cheiro de pólvora, gosto de pensar como ela queima e como explode, liberando uma bala que se aloja e tira uma vida. Tão rápido com nascer, tão necessário para todos já que todos vamos morrer, de um jeito ou de outro... "Por quê?"... Porque foi o que eu fiz e porque agora você está me perguntando, insistindo para eu te diga uma razão. Mas, repito, você não vai achar sua resposta de ouro comigo, Evelyn Ross. Você encara um homem sem motivos, sem razões ou perspectivas. Eu só reagi, só fiz o que foi ensinado. "Destrave, aponte, puxe o gatilho e pronto" Foi o que eu fiz e aparentemente deu certo mesmo. – mais uma risada, seguida de uma pausa mais longa e mais fria ainda. – Porque eu tinha uma arma, um momento, uma ordem, um objetivo, uma tarefa, um acaso, um devaneio, uma vontade. Porque eu gosto do cheiro de pólvora e talvez da morte. Porque eu esperava vê-lo caindo no chão, morto. E, pra isso, eu fiz o que eu fiz.

Evelyn viu algo no olhar dele. Um clarão em meio a escuridão verde, um outro momento diferente do narrado. Bem diferente. Mas durou bem pouco. Em seguida, ele voltou a brincar com as algemas e desviou o olhar.

- Daqui pra frente, - ele começou, torcendo o metal. – eu gostaria de falar na presença de um advogado.

- Meio tarde pra isso, não?

Mais uma risada.

- Que mulher sem fé. Me arranje um advogado, por favor. Só vou esclarecer outros "porquês" na presença dele, se não se importa.

Evelyn assentiu. Já estava cansada de lidar com ele. Fechou sua pasta e se preparou para deixar a sala. Se deteve na porta quando se lembrou de algo, uma coisa que sentiu que precisava falar.

- Ele era um assassino e você não. – ela o olhou por cima do ombro, tomando sua atenção quando começou a falar. –Copiou o trabalho perfeito de um assassino perfeito, que nunca foi capturado até o momento que você o matou. Talvez você seja o imitador agora.

- Talvez... - ele sorriu minimamente, parecendo se divertir. - Ou talvez eu ainda seja melhor.

Eve sustentou o olhar sobre ele e, em seguida, assentiu minimamente. Deixou a sala, voltando a sentir o gosto amargo na boca. 

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