Meu querido Vermelindo,
São maravilhosas as notícias trazidas por Viltrapaça, que o seu paciente fez amizades novas e muito desejáveis, e que você parece ter se aproveitado desse acontecimento de maneira realmente promissora. Imagino que o casal de meia-idade que ligou para o escritório dele seja bem o tipo de gente que queremos que ele conheça — rica, esperta, superficialmente intelectual e promissoramente cética em relação a tudo no mundo. Entendo que eles sejam até um tanto pacifistas, não por motivos morais, mas por um hábito arraigado de desprezar qualquer coisa que diga respeito à grande massa de seus semelhantes e de uma pitada de comunismo puramente literário e da moda. Isso é excelente. E você parece ter tirado grande vantagem da vaidade social, sexual e intelectual do seu paciente. Conte-me mais. Ele chegou a um comprometimento mais sério com eles? Não me refiro às palavras usadas. Existe um jogo sutil de olhares, tons e risos pelos quais um mortal demonstra que finge partilhar dos mesmos hábitos que aqueles com quem está conversando. Esse é o tipo de traição que você deve encorajar, especialmente porque o homem em si não se dá conta dela e, no momento em que age assim, terá dificuldade de se desassociar dela.
Sem dúvida ele não demorará a perceber que a sua própria fé está em oposição direta aos pressupostos sobre os quais se baseia toda a conversa dos seus novos amigos. Eu não creio que isso faça muita diferença, desde que você possa persuadi-lo a postergar qualquer reconhecimento aberto desse fato. Isso será fácil de fazer, com ajuda da vergonha, do orgulho, da modéstia e da vaidade. Enquanto durar o adiamento, ele estará numa posição falsa. Ficará em silêncio quando deveria falar, e dará risada quando deveria ficar em silêncio. Ele assumirá, primeiro somente por suas ações, mas logo em seguida por suas palavras, todo tipo de cinismo e ceticismo que não são realmente seus. Mas se você o manipular direitinho, essas atitudes logo serão apropriadas por ele. Todos os mortais tendem a se transformar naquilo que pretendem ser. Isso é elementar. O que está de fato em questão é como se preparar para o contra-ataque do Inimigo.
A primeira medida a tomar é atrasar ao máximo o momento em que ele se dará conta de que esse novo prazer é uma tentação. Já que os servos do Inimigo têm pregado por dois mil anos sobre "o mundo" como uma das grandes tentações-padrão, isso parece ser difícil de fazer. Mas, felizmente, pouco se tem falado sobre isso nas últimas décadas. Nos textos cristãos modernos, embora eu veja várias referências (na verdade mais do que eu desejaria) a Mamom, muito pouco se adverte sobre as vaidades mundanas, a escolha de amigos e o valor do tempo. Tudo isso provavelmente seu paciente classificaria como "puritanismo" — e, permita-me uma breve observação, o valor que demos a essa palavra é um dos triunfos sólidos dos últimos cem anos. Por meio dela, resgatamos anualmente milhares de humanos de uma vida temperante, caridosa e sóbria.
Mais cedo ou mais tarde, contudo, a natureza real de seus novos amigos deve se tornar clara para ele, e, então, suas táticas devem depender da inteligência de seu paciente. Se ele for tolo o bastante, você poderá levá-lo a se dar conta do caráter dos amigos apenas quando eles estiverem ausentes; sua presença pode servir para eliminar toda possibilidade de crítica. Se conseguir isso, ele pode ser induzido a viver duas vidas paralelas, como muitos humanos fazem, por longos períodos de tempo. Ele não apenas parecerá ser, mas realmente será, um homem diferente em cada um dos círculos que frequentar. Se isso falhar, há um método mais sutil e divertido. Você pode fazer com que ele tenha verdadeiro prazer ao perceber que existem dois lados de sua vida que são incompatíveis. Isso poderá ser alcançado explorando sua vaidade. Ele pode ser instruído a gostar de se ajoelhar ao lado do dono da mercearia aos domingos só porque o dono da mercearia jamais entenderia o mundo urbano e escarnecedor que ele frequenta no sábado à noite; e, inversamente, a apreciar ainda mais as obscenidades e blasfêmias que rolaram no café com esses amigos admiráveis, porque está consciente de um mundo mais "profundo" e "espiritual" dentro dele que eles são incapazes de compreender. Acho que você está entendendo o que quero dizer — os amigos mundanos o tocam de um lado e o dono da mercearia, de outro; e ele é o homem completo, equilibrado e complexo que consegue perscrutar todos. Assim, ao mesmo tempo que se mantém desleal a, pelo menos, dois grupos de pessoas, ele sentirá, no lugar da vergonha, um fluxo contínuo e subterrâneo de satisfação própria. Finalmente, se todo o resto falhar, você poderá persuadi-lo, numa violação à própria consciência, a continuar a ter novas amizades com base no raciocínio de que ele está, de forma não especificada, fazendo "bem" a essas pessoas pelo mero fato de compartilhar sua bebida e de rir de suas piadas, e que deixar de fazer isso seria "excessivo", "intolerante" e (é claro) "puritano".
Nesse meio tempo, é claro, você deverá tomar as medidas de precaução adequadas para que esse novo projeto o induza a gastar mais do que pode e a negligenciar o seu trabalho e sua mãe. A surpresa e a inveja dela, além da ambiguidade ou da brutalidade de suas reações, serão inestimáveis para o agravamento da tensão doméstica.
Com carinho,Seu tio, Maldanado