1 - Desídia

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Um mês. 

Esse foi o tempo em que Gizelly passou a deixar de viver. Esse é o tempo desde que Rafa sumiu do mapa sem qualquer notícia ou explicação. Esse é o tempo desde que Gizelly foi expulsa do colégio onde era prestigiada pelos professores, mas quando alguém com poder exigiu que ela sumisse, ela sumiu. 

A nova rotina de Gizelly era acordar, se higienizar, comer, estudar, procurar por mais uma boa escola e tentar mais uma bolsa integral, ser recusada por ter uma expulsão em seu histórico, voltar para casa, comer, dormir e repetir. Essa era a nova vida de Gizelly. Apenas cumprir suas obrigações e esperar para que tudo se ajeite. 

E lá estava ela em mais uma manhã de quinta-feira. Estava na cozinha comendo uma vasilha de cereais com leite. Estava com os cabelos emaranhados presos em um rabo de cavalo desleixado e ainda vestia o moletom surrado com que dormia. 

- Tomou banho hoje? - Marcela perguntou ao entrar na cozinha. 

A loira estava tentando se adaptar a nova Gizelly despreocupada e quieta. A amiga, antes tão disciplinada e esforçada, agora era um robô ambulante. No começo, se compadeceu pela amiga. Sabia que a morena estava sofrendo e confusa, apesar de ainda afirmar com toda certeza que Rafa não havia feito nada de errado e tudo tinha uma explicação. Mas depois de tantos dias sem sair daquela fase de negação e naquele estado letárgico, a loira começou a se irritar.

- Tomo de noite - Gizelly respondeu com a boca cheia. 

- Você disse isso ontem - Marcela repreendeu, tirando a vasilha das mãos de Gizelly e a olhando com um olhar severo. 

Aquela situação era totalmente nova para ambas. Marcela sempre foi a bagunceira e despreocupada e Gizelly sempre foi a que cuidava das responsabilidades da casa. Gizelly era quem dava os sermões, não Marcela. 

- Vai tomar banho! Agora - ordenou Marcela com uma expressão séria e autoritária. 

As duas se encararam em uma discussão silenciosa, até que a morena revirou os olhos e foi se arrastando até o banheiro bufando contrariada. A loira assistiu a amiga pegar suas coisas e entrar no banheiro, esperou pelo som do chuveiro e só então se sentou na mesa da cozinha. Respirou fundo e fechou os olhos, descansando a cabeça nas mãos com os cotovelos sobre a mesa. Ficou assim por um bom tempo até que o celular tocou. 

- Alô - atendeu com a voz cansada. 

- Ainda estamos na mesma? - ouviu a voz de Manu no outro lado da linha, bastante preocupada. 

Marcela suspirou novamente, passando as mãos pelos cabelos. 

- Na verdade, parece que tá cada vez pior - a loira confidenciou. - Eu realmente não sei mais o que fazer... 

Manu não respondeu nada, pois não sabia mais o que falar. A cada dia que passava, estava cada vez mais cansada e não tinha mais forças para muito coisa. Estava chateada com Gizelly, pois se sentia abandonada, mas também entendia a amiga. Gizelly se afastou de tudo e todos nos últimos dias. Respondia apenas o que era perguntado a ela e não parecia capaz de manter uma conversa por muito tempo. 

- Eu tenho que ir agora. Já perdi a primeira aula hoje e ainda tenho que ver se a bonita aqui vai lá na escola nova pra se matricular - Marcela quebrou o silêncio que se estabeleceu na ligação. 

- Ok... - Manu sussurrou, tentando esconder o tom decepcionado. 

- Vou tentar levar ela aí hoje ou nesse final de semana - Marcela contou com uma animação forçada. 

- Aham... Até... - Manu respondeu em um fio de voz, já desligando a chamada.

A loira suspirou mais uma vez. Não sabia mais o quanto aguentaria sem acabar explodindo qualquer hora. Levantou-se e lavou a louça que se empilhava na pia, terminando de comer o cereal inacabado de Gizelly e tomando um gole de suco da geladeira. Deu uma breve ajeitada no resto do caos que estava a cozinha e então foi para o quarto se arrumar. Viu que Gizelly já havia saído do banho, então foi sua vez de tomar uma chuveirada rápida. Quando já estava terminando de se arrumar, encontrou Gizelly em outro conjunto de moletom sentada no sofá enquanto passeava pelos canais de televisão.  

A Sombra de CopasOnde histórias criam vida. Descubra agora