• O prédio, o hospital e a mensagem.

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(Alerta de gatilho: suicídio)

Sabe quando você corre tanto que seus pulmões gritam para sentir o último respiro de ar possível? Naquele dia, eu corri assim.
Minhas pernas estavam trêmulas enquanto eu corria, me senti como aquelas garotas burras de filmes de terror que não tiram o salto para fugir do assassino. O tempo parecia congelado, e não importava o quanto eu corresse: sentia que o quarteirão da delegacia ficava cada vez mais distante. Vi uma viatura parada na frente da universidade local, os policiais pareciam estar descansando. Corro como se não houvesse um amanhã e começo a bater no vidro.
— Uma mulher - pauso para puxar todo ar que consigo, antes de continuar: — Pulou do edifício Estrela, na rua 23, ao lado da cafeteria Doce Café - assim que eu termino a frase, sinto minha visão ficando escura e eu apago ali mesmo.
    Ao acordar, percebo que estou dentro de uma ambulância, acompanhada pela minha mãe. Por essa eu realmente não esperava.
—  Eloá, filha, como você está? - Perguntou minha mãe em tom desesperado. Eu não respondi. Uma enfermeira interveio e me perguntou como eu estava me sentindo - Melhor do que a moça da rua 23 - Digo prontamente
—  onde ela está?
A enfermeira de olhos fundos me respondeu na mesma hora: — Não se preocupe com isso. Você apagou e é nossa prioridade nesse momento.
A resposta não me satisfez nem um pouco, mas resolvi aceitar aquilo por hora. O silêncio ensurdecedor entre eu e a minha mãe logo me deixou com sono novamente e eu acabei adormecendo naquela maca gelada. Acordo mais uma vez, dessa vez em casa. Olhei em volta e vi o meu pai. Ele estava mais cabisbaixo que o normal; os olhos estavam vermelhos, os cabelos bagunçados e as mãos no rosto me observando. Ele começa a falar arrastado — Lembra  quando você subiu na árvore com o Júlio? Você nunca tinha feito isso antes. - ele ri baixinho.
— Lembro. - começo a sorrir para ele também.
— Sua mãe ficou desesperada. Hoje, quando ela te viu sair, ficou do mesmo jeito. - Eu abro a boca para responder e meu pai só continua falando.
— Eu sei quem você estava indo ver, e eu te dou todo apoio, você sabe. - Ele sempre me defendeu, e ver a alegria dele indo embora junto com os remédios me matava.
— Pai, ela nem me responde mais. Minha mãe acabou com tudo.
Júlia foi a minha primeira namorada e eu não queria que tudo terminasse desse jeito.
- Eu adorava aquela garota.  Quando você torceu o tornozelo e nós três ficamos assistindo aquela série policial vi que ela era incrível mesmo. Você estava feliz, e eu estava feliz por isso. 
O senhor Carlos era o homem mais legal da face da terra. Ele não merecia estar morrendo, nem sei se alguém merece passar por isso. Minha cabeça volta para a moça da rua 23, lembro da minha sensação de impotência, lembro do meu coração acelerando e depois da sensação de tudo ter desmoronando quando eu desmaiei.
— Você não pode parar agora - ouço meu pai falando enquanto eu tento sair dos pensamentos intrusivos. —Você nem conseguiu expor seu amor da forma que tem que ser, não conseguiu fazer sua mãe sorrir para você e entender que está tudo bem dentro de você. Eu sei que você quer.
Eu não sei se odiava ou amava o jeito que ele me lia.
— Poxa pai, visão de raio x não. Por favor. - Ele ri, e a risada se mistura com uma tosse seca. Assisto-o se segurar na cadeira para se recompor.
— Pai, você não devia…- Os olhos dele me secam — Eu não devia fazer muitas coisas e eu ainda faço. Entenda, o Carlos aqui ainda é muito radical. - Eu sabia que no fundo ele era mesmo. — Beleza pai, tá na hora de ir descansar. - Quando eu acabo a frase ele me olha sério. — E tá na hora da mocinha comer e dormir. Soube que você passou mal por causa disso. - E foi realmente isso.
— Estou indo depois de você.- Meu pai se levanta, me observa mais uma vez e vai em direção ao quarto dele. Eu realmente espero que com a finalidade de descansar. Antes de ir comer e dormir, como meu pai pediu, eu dei uma olhada no meu celular.
Após uns minutos olhando minha galeria cheia de fotos de gatinhos fofos, chega uma mensagem de um número desconhecido: "Olá, você é a Eloá Davis? Fiquei sabendo que você estava na rua 23 no dia que uma moça morreu, é verdade?"

O Prédio Da Rua 23 Onde histórias criam vida. Descubra agora