• Cabelos azuis, música emo e a vida nerd.

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Luna Matteo era oficialmente um morde e assopra. Primeiro ela me tratou bem na internet e pessoalmente na escola. Depois, no dia seguinte, ela me tratou mal na escola e agora voltou a ser amável na internet. Desligo o celular deixando Luna temporariamente sem resposta. Quando olho em volta vejo que Júlia está me encarando com seus olhos grandes e gentis.

- Tudo bem ? - Pergunta com um sorriso no rosto.
É inevitável, ainda sinto coisas por ela. Minhas borboletas ainda conseguem levantar voo toda vez que ela me olha.

- O que você chamaria de bem? - Dou uma risadinha para sinalizar uma piada.

- Você sabe que eu estou aqui, não é?- Ela me oferece o dedo mindinho como se fosse selar um acordo na infância. Eu aceito sem pensar duas vezes.

- Te ver me fez muito bem, obrigada. -
Acredito que nada descreveria a paz que eu estava naquele momento. Eu estava respirando. Eu era eu, meu coração ainda batia.

- Posso te levar em casa? - Mesmo depois
do que aconteceu com a minha mãe ela quis me levar. Júlia pagou o meu lanche e foi andando comigo pela rua até chegar em seu carro. Ele era preto e tinha poltronas bem confortáveis.

- Por onde anda o senhor Carlos? - Ela
pergunta assim que liga o motor do carro e começa a andar.
- Ele já te proibiu de chamar ele de "senhor."-
Ela ri e completa.
- Seu pai é o melhor. -

Ela dirige com uma mão só. Amo ver ela existindo. Tudo que ela faz tem um pouquinho dela, mesmo que seja uma coisa completamente cotidiana fica lindo quando ela faz. Posso jurar que até o café da cafeteria hoje estava mais gostoso por conta do preparo dela.

- Eu ainda sinto coisas por você. Sei que não conversamos direito desde que terminamos, mas eu tô com saudade. -
O rosto dela muda para uma expressão pensativa.

- Você está tendo uma semana difícil, eu sei, e é óbvio que eu ainda gosto de você. Mas não quero me aproveitar das suas fragilidades do momento. Essa semana vai ter música ao vivo no café, se já estiver melhor pode me procurar. -

Ela fala enquanto seus cabelos azuis já desbotados pelo tempo se bagunçam por conta do vento que vem diretamente da janela do carro. Fico alguns minutos pensando sobre o que ela disse. E talvez eu realmente esteja projetando coisas nela.

- Estarei lá. - Júlia me abre um sorriso e faz tudo parecer tão certo.

O resto do caminho é feito em silêncio. Quando me aproximo da minha rua peço para Júlia parar de dirigir. Minha mãe odiaria saber que eu tinha aceitado a carona.

- Desculpa. Mas você sabe que...- Antes que eu me justificasse Júlia me abraça.
O cheiro de café e sabonete de lavanda estão ali. Ela aperta o abraço enquanto sussurra. - Eu sei, está tudo bem.- Ela me solta aos poucos e eu começo a me arrumar para sair do carro.

- Fale para o senhor Davis que eu quero ver um filme de investigação policial com vocês de novo.- Ela me dá um sorriso caloroso após o fim da frase. Eu abro a porta e saio.

Encosto na janela e digo. - Nem diga isso, ele vai te chamar para a nossa maratona anual de filmes
policiais. - O meu pai adora ela. - Seu pai tem um ótimo gosto para filmes. Não seria nenhum sacrifício ir. -

Dou um "até logo" para Júlia e começo a seguir a rota de casa. O carro dela acelera e eu fico apenas com um rastro de poeira para trás. Lembro da mensagem de Luna sem resposta. Caminho até a minha casa olhando o Instagram dela. As cores, as músicas que ela postou no feed, desenhos e fotos conceituais. Não podia negar, ela era linda. Abri a porta da minha casa e meu pai estava sentado na sala. A televisão estava ligada e com um volume alto.

-Pai?- Ele parecia estar dormindo. Não consigo subir antes de aproximar meu rosto e ver se ele está respirando. Para a minha sorte ele está. Lembro do primeiro ataque que eu vi, eu tinha seis anos e meu pai desmaiou na minha frente. Minha mãe ouviu o barulho da cozinha e correu para ver o que estava acontecendo. Eu me senti tão impotente, tão pequena e de fato eu era.

Subo as escadas para o meu quarto e me desmonto quando deito na cama. Começo a procurar respostas para a pergunta de Luna. Escrevo e apago várias vezes a mensagem. - "Oi Luna, a gente pode ir sim."- e essa é a mensagem que eu realmente consigo enviar. Pouquíssimos minutos depois uma notificação chega "@heylunaa te enviou um link". Quando eu abri era uma música acompanhada pela seguinte mensagem: "Talvez eu seja realmente uma adolescente emo dos anos 2000". Deixo a música ecoar pelo quarto, os sons suaves de guitarra acompanhados por um vocal angelical me fazem relaxar e esquecer o mundo caótico por minutos.

•••

A segunda começa como sempre. Eu estou atrasada. Começo a juntar os materiais para a aula, achar minha mochila enquanto encontro o uniforme. Vou tropeçando em livros que deixei perto da estante com o intuito de arrumar.

- Já está pronta, Eloá? - Escuto Beatriz Davis aos pulmões. - Quase. - Quem eu queria enganar? Eu ainda nem tinha tomado banho. Entrei no chuveiro correndo, sabia que não podia me atrasar mais. Assim que terminei o banho me vesti e sai de casa correndo. O ônibus passou rápido no ponto pela primeira vez na minha vida. Assim que arrumo um assento coloco meus fones e vou ouvir a música que Luna me enviou novamente. O trajeto até a escola é tranquilo.

-El, estamos aqui!- grita Théo enquanto Nora faz gestos para me chamar.
- Oi gente, bom dia.- Dou um sorriso fraco. Nora estava sentada na mesa anotando coisas no caderno.

- Como foi a reunião?- pergunta Nora enquanto fecha o caderno pesado. -Foi a mãe da Luna Matteo que se jogou. Ela estava na reunião também.- Os dois se aproximam com a minha declaração. - A Luna foi bem legal comigo no começo mas depois me tratou super mal. Quando cheguei em casa ontem, ela me mandou uma mensagem e se desculpou.- Os olhos vidrados na história logo perguntam o que mais aconteceu. - E depois, El?- Diz Nora fazendo um carinho consolador nas minhas costas. E sim, ela faz bastante isso. - Me chamou para sair hoje.

Um "que?" Escapa da boca de ambos. - Você vai sair com ela? Você sabe que ela namora a Isadora Tenório, né? - Quase gritou Théo. Isabela Tenório é o estereótipo de menina popular, que é líder de torcida, pais conhecidos na cidade.
- Não é esse tipo de sair, garoto.- digo dando um soquinho fraco no braço dele. - Aliás, Júlia me deu uma carona ontem. - Outro "que?" escapa. - Será esse o ápice da vida nerd nesse colégio?- Diz Théo.
Eu estava tão distraída que não percebi que tinha alguém se aproximando de mim pelas costas.

- Oi, a gente pode conversar? - Escuto atrás de mim acompanhado por um cheiro bom de perfume que me deixou perdida. Quando olho em volta percebo que todos estão me olhando e que Luna Matteo está na minha frente. Os olhos dela estavam fundos e levemente vermelhos como quem acabou de chorar.

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⏰ Última atualização: Jul 23, 2022 ⏰

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