A mensagem me paralisou. Eu sempre tive um ciclo social pequeno e nunca recebia mensagens de pessoas desconhecidas.
一 Quem é você? 一 Pergunto encarando o celular.
A pessoa começa a digitar e eu rapidamente sai do aplicativo de mensagens.
一 Desculpa, acho que fui meio assustadora. Sou a Luna Matteo, temos algumas aulas juntas.
A Luna nunca olhou para mim, nunca tínhamos nada para conversar.
一 Ah, sim. Sou Eloá. Posso ajudar? 一 Enquanto a resposta não chegava, olhei a foto de perfil dela no aplicativo. Ela estava envolta em luzes brilhantes, com uma parte do cabelo cobrindo o olho e sorrindo. Parecia uma festa. Quando percebo a mensagem já foi respondida.
一 A diretora da escola te convidou para uma reunião, disse que é urgente e não pode esperar até segunda.
Eu não fiz nada preocupante, não tenho pendências no colégio.
一 Ah, obrigada Eloá. Não se culpe, você tentou. 一 Ela pareceu ler minhas preocupações mesmo sem eu ter dito nada. Levantei da cama onde estava repousando e comecei a separar o uniforme da escola. Sabia que mesmo sendo um domingo teria que aparecer uniformizada.
一 Eloá? Filha? 一 Ouço a voz calma da minha mãe me procurando pela casa.
一 Estou no quarto! 一 Ouço passos apressados percorrendo o corredor.
一 Você já comeu? Tomou os seus remédios? 一 Diz me interrogando como sempre.
一 Sim, sargento.一 Bato continência em tom irônico.
As mãos dela encontram lentamente o próprio rosto.
一 Ainda não me perdoou? Ainda é aquela garota?
Quando ela chama a Júlia de "aquela garota" o sangue ferve dentro de mim. Me mantenho calma até o seguinte momento. Minha mãe não consegue ter empatia comigo, mesmo sabendo que meus meses têm sido complicados. Meu pai, a Júlia, a minha internação e a moça da rua 23. Sempre é tudo sobre e para ela.
一 O nome dela é Júlia. Não consegue nem pronunciar?
Ela espera que um dia eu acorde e diga que nunca me apaixonei por nenhuma garota e que tudo foi uma fase. Mas não é uma fase, eu amei a Júlia. Provavelmente ainda amava. Parecia que todo e qualquer sentimento que eu criava precisava da aprovação dela para existir e ser válido.
一 Não entendo o motivo de tanto apego com essa garota.
Quando ela termina a frase, sinto meu olho começar uma lágrima. Eu não respondo a minha mãe. Começo a pegar minhas roupas do uniforme, uma mochila, e roupas aleatórias do meu armário. Passo correndo para o banheiro, me visto enquanto vejo meu rosto no espelho. Coloco uma camisa antiga com estampa de uma banda de rock, calças rasgadas no joelho e um tênis. Passo no meu quarto mais uma vez e pego o carregador do meu celular, coloco a mochila nos ombros e o celular no bolso.
Começo a andar rapidamente pelas ruas cheias de casas e famílias felizes que provavelmente não tem uma mãe homofóbica e um pai morrendo. Em uma casa normal, com uma família normal, estaríamos jantando e falando sobre as futilidades do dia. Infelizmente não tenho mais isso desde que resolvi amar quem eu queria.
Pego meu celular e ligo para Nora. Ela é uma garota negra, de olhos claros, e sem dúvidas é uma das pessoas mais simpáticas que eu já vi. Nos conhecemos no ensino fundamental, quando ela perdeu o Bob (o ursinho de pelúcia). Graças a ele tenho a melhor amiga do mundo.
一 Oi, oi lindinha! Como você está? 一 Ela me atende com a mesma animação de sempre.
一 Alerta Beatriz Davis, alerta Beatriz Davis. Posso dormir na sua casa hoje? 一 Escuto a voz de Nora mudando de entonação.
一 Claro! Não precisa nem pedir. Quer que eu chame o Théo também?
Ele é um dos melhores jogadores de futebol do time local, dirige um carro legal e sem dúvidas é amado por boa parte das garotas da escola. Seus cabelos cacheados são a coisa mais fofa do mundo.
一 Meu Deus, chama ele sim. Preciso dos meus melhores amigos agora.
Théo e Nora acabaram salvando esse ano para mim.
一 A porta vai estar aberta, é só subir.一 Confirmo na hora e desligo.
Comecei a andar mais rápido, precisava conversar com eles. Quando cheguei na casa de Nora ela desceu as escadas correndo para me receber
一 Finalmente você chegou! 一 Ela diz pulando em cima de mim.
一 Ninguém me chamou para o abraço, vocês não me amam mais? 一 Diz Théo animado e passando os braços em volta do meu pescoço. Ele cheirava a desodorante, perfume e um creme de cabelo muito bom.
一 Ei, conheci primeiro. Me dá um espaço. 一 Murmura Nora em tom de brincadeira.
一 A gente te ama cabeção. 一 Digo enquanto subimos as escadas para o quarto da Nora.
一 Eu sei bem, sou a alma desse grupo.
一 Eloá, a gente ficou sabendo da moça. Sentimos muito. 一 Diz Nora enquanto esfrega a palma da mão nas minhas costas.
一 Você foi super corajosa quando saiu correndo para ajudá-la, Fez o seu melhor.
Meus olhos enchem de lágrimas. A mão de Nora segura a minha enquanto sentamos na cama dela. Théo não sabe lidar com sentimentos de uma forma afetiva, então começa a se preocupar com o meu bem estar físico e me oferece sua jaqueta do time. Ela era pesada e vermelha. E eu aceito. Eu não sabia como cuidar das preocupações dele, e sei que aceitar a jaqueta seria importante para ele também.
一 Falem sobre vocês, gente. Eu preciso saber das novas histórias dos meus melhores amigos. 一 Deitamos os três na cama de Nora.
一 Terminei de assistir a nossa série sem vocês.
Théo cobre o rosto após o fim da frase. Nora puxa um travesseiro que estava apoiando a sua cabeça e começa a bater no garoto.
一 Theodoro, seu traidor!
Théo começa a se movimentar tentando encontrar proteção e Nora joga para mim um travesseiro. Começamos a golpear juntamente.
一 Ok meninas, eu me rendo. Eu me rendo. E a pizza está por minha conta. 一 Nora para na hora e me olha. Sinto um falso mistério de formando em seu rosto.
一 Está de acordo? Devemos parar? 一 Concordo com a cabeça e a Nora larga o travesseiro amarrotado.
一 Théo, a pizza vem com refrigerante e sobremesa? 一 Ele ri e confirma.
一 Fechado então. 一 Théo levanta ofegante e começa a se recompôr.
Passamos horas comendo pizza e assistindo televisão. O dia não era tão ruim com eles do meu lado. Mesmo fazendo outras coisas e me divertindo com os meus amigos, aquela cena da moça se jogando não sai da minha cabeça.
Não consigo entender como alguém consegue chegar a esse ponto. Imagino a família dela. Imagino os possíveis filhos, o caixão fechado por conta do estado do corpo e o possível marido cuidando sozinho das crianças. Eu não sei o endereço dela, não sei se ela fazia biscoitos confeitados no natal, não sei se ela tinha um cachorrinho e não sei se ela gostava de música nacional. Porém, sinto que tudo que aconteceu me ligou a ela, não importa quem ela seja.
Quando a madrugada chegou, os meus amigos dormiram e meus olhos não tinham se pregado ainda. Começo a olhar o número da Luna Matteo. As coisas passaram um pouco do limite e eu procurei o nome dela em algumas redes sociais. Em uma rede de fotos vi Luna envolta por quadros, papéis cheios de desenhos, tatuagens e grafites. Nunca tinha visto esse lado dela. Para ser honesta, eu não sabia nada sobre ela. Pensei em seguir, mas minha conta só tinha fotos de gatos e resenhas de filmes que ninguém queria ler.
Adormeço em um colchão que Nora preparou para mim. O dia seguinte começa com um cheiro de café subindo e invadindo o quarto.
一 Bom dia, dorminhocos! 一 Diz Nora abrindo as cortinas do quarto.
As luzes entram bruscamente quando ela abre as cortinas em uma velocidade surreal.
一 Que cheirinho é esse? 一 Théo levanta com as mãos no cabelo. Os cachos bagunçados são sacudidos em uma tentativa de arrumação.
一 O Lucca está aqui. 一 Neste momento os olhos do Théo se arregalaram.
一 E agora que você me avisa? Eu devia ter me arrumado.
Desde que conheço o Théo, ele tem uma queda pelo irmão da Nora. Ele começa a se arrumar, perguntar como está o cabelo e tudo está ótimo como sempre.
一 E você Eloá? Não vai levantar? Tem uma reunião para ir hoje, né? 一 Nora perguntou me oferecendo uma mão para levantar.
一 Infelizmente tenho. 一 Digo enquanto procuro minha mochila com as minhas roupas. 一Posso tomar um banho?
一 É óbvio que pode, El. Se precisar de uma toalha pode pegar. 一 Nora me responde sem se virar.
Depois do banho, juntei as minhas coisas e me despeço de todos. Ando em rumo a escola. Os corredores que geralmente são barulhentos, abafados e lotados, hoje estão vazios e silenciosos.
Quando virei o corredor para entrar na sala da diretora, uma visão me deixou confusa. Lá está Luna Matteo, sentada com música alta ecoando dos fones de ouvido. Ela estava com um coturno, jaqueta, camisa e calça rasgada. Vestida de preto da cabeça aos pés.
一 Ah, você já chegou.一 Quando ela começa a falar sinto um cheiro incrível. O perfume dela tomou conta do corredor. 一 Por que você está usando uniforme? Caso não saiba, hoje é domingo.
Essa é a minha maior interação com a Luna, e sem dúvidas já acho ela extremamente implicante. Resolvo responder na mesma medida.
一 Você está parecendo uma adolescente emo dos anos 2000. Não está em condições de me julgar. 一 Ela dá um sorrindo de canto de boca enquanto arruma o cabelo.
一 O que você está fazendo aqui? 一 Vejo o desconforto no rosto dela e mudo de assunto 一 Você... 一 Quando vou começar a falar a diretora chega e começa a falar:
一 Olá senhoritas. Podem entrar e sentar.
Luna anda na minha frente e senta na primeira cadeira. Eu entro logo atrás e a porta se fecha atrás da gente. Ela tem uma postura péssima, senta parecendo um 's'
一 Bom, fiquei sabendo que vocês duas compartilharam uma situação traumática.一 Começa a diretora a falar com um semblante fechado.
一 Senhorita Matteo, sinto muito pela sua mãe. Senhorita Davis, sinto muito pelo que acabou presenciando.
Luna parece não saber o que dizer. Ela parece procurar palavras em silêncio.
一 Já posso ir? 一 Os olhos dela parecem distantes. A garota que eu conheci poucos minutos atrás não é a mesma.
一 Só queria que vocês soubessem que a escola está disponível caso queiram alguma ajuda.
A garota de preto se levanta, agradece e sai pela porta com um furacão. Ainda não entendo muito bem o que aconteceu mas resolvi ir atrás de Luna. Ver se ela precisa de ajuda e tentar conversar.
一 Obrigada diretora. 一 Me levanto e faço exatamente o mesmo caminho de Luna.
Ando rápido pelos corredores e quando estou quase saindo da escola vejo Luna parada. Me aproximo e quando chego perto o suficiente ouço:
一 Não quero sua pena. Estou cansada disso. 一 Ela tinha um tom triste na voz e uma postura fechada.
一 Eu nem sei o que aconteceu. Só queria saber se você estava bem.
Luna se vira bruscamente em minha direção.
一 Você está aproveitando as atenções? Você está gostando de ser a heroína da história? Eu sei que você já tentou salvar a minha mãe, obrigada. Mas sinto muito. Não vou ficar te endeusando. 一 Quando ela termina de falar, a cena da moça da rua 23 se jogando volta para a minha cabeça com toda força.
一 Eu não sabia.
O rosto dela é tomado pela raiva.
一 Para com essa carinha de cachorro abandonado. Acabei de sair de um enterro. Não tô com saco para você.
Não consigo controlar a minha raiva e entro nessa discussão com ela.
一 Eu não sabia de nada. Para de ser grossa e injusta comigo. Se você acha que só você tem problemas, está enganada. Meu pai está morrendo, minha mãe está me odiando e eu tenho outros problemas que não jogo em você. 一 Me viro e saio andando.
Eu nem sabia que era a mãe dela. Agora tudo toma forma na minha cabeça. Aquela moça realmente tinha uma família, uma casa e uma vida. Queria saber o que aconteceu na vida dela, queria saber sobre ela e queria saber sobre a filha dela. Fui pensando sobre ela, sobre a discussão e sobre tudo que aconteceu. Ir direto para casa não ia me ajudar, então fui para uma cafeteria local.
Eu amava ler naquele lugar. As paredes cheias de pinturas antigas, quadros de funcionários do mês e o cheiro de café fresquinho sempre me fizeram gostar daqui. O lugar era acolhedor e tranquilo. Ando até a o balcão e peço meu chocolate quente com o brownie de sempre. Minha cabeça estava na lua e quando ouço a voz da atendente tenho uma surpresa.
一 Esse é por minha conta.
Quando levanto a cabeça, vejo uma garota de cabelos repicados, avental e com um sorriso enorme no rosto. Júlia, minha ex namorada estava me olhando.
一 Uau, você aqui?
Júlia está cuidadosamente colocando meu brownie em um pratinho.
一 Estou trabalhando aqui para pagar a minha faculdade fora da cidade. E você? O que está fazendo aqui?
Mesmo depois de tudo que aconteceu com a minha mãe, Júlia permaneceu sendo incrível comigo. Me sinto balançada com os olhos dela me encarando.
一 Dias complicados. Não quero tomar seu tempo.
Ela para o processo de preparo do meu chocolate quente e diz:
一 Você nunca toma o meu tempo, entenda isso. Aliás, meu expediente já vai terminar. Podemos conversar um pouco?
Ela termina os preparos e coloca a caneca com o chocolate e o brownie em cima da mesa.
一 Não sei como você ainda quer falar comigo. Mas sim, eu quero muito falar com você.
Ela tira o avental e me oferece uma colherzinha para o brownie.
一 Nada disso foi culpa sua, a gente sabe. 一 Ela tem um sorriso incrível e eu me sinto bem. Júlia anda comigo até uma mesa.
一 Como está o chocolate, El? 一 Ela está me olhando pacientemente.
一 Está ótimo. Obrigada por ele.
Quando ela estava comigo era incrível. Foi minha primeira namorada e a primeira garota que me apaixonei.
一 Não precisa agradecer. Mas me diga, o que aconteceu? 一 Pensar nisso só me faz lembrar da moça da rua 23 e na Luna.
一 Podemos conversar sobre outra coisa?
Nesse momento meu celular toca. Era uma notificação do instagram e lá estava: "heyluna seguiu você". Luna Matteo me seguiu. Pouquíssimos minutos depois chega uma mensagem: "Oi, desculpa por hoje. Sai comigo na segunda? Quero me redimir."
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O Prédio Da Rua 23
Teen FictionEloá Davis quer encontrar soluções. O pai dela está morrendo, a relação com a mãe está um caos e ela acabou de se assumir. O peso do mundo parece estar em suas costas. Como se não bastasse, ela acaba presenciando um suicídio na rua 23. Eloá agora se...