A primeira vez que o vi

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O silêncio no carro era ensurdecedor e só aumentava a tensão. Theo sabia que seu irmão Corey precisava falar, pois esse é o seu comum, contudo, seu olhar na estrada estava deixando o mais velho doido. Com isso, Theo jogou o carro no acostamento, assustando o caçula.

“Que merda, Theo! Por que fez isso?” disse com o coração ainda descompassado e certa raiva.

“Finalmente você resolveu falar comigo. Quer me dizer o quê há de errado contigo hoje?” O olhar de Theo era tão ou mais inquisidor do que suas palavras e mesmo sem querer falar com o irmão, Corey sabia que ele não desistiria. Depois de um longo suspiro, respondeu:

“Por onde eu começo?” Fez uma cara deslavada fingindo pensar antes que voltasse seu olhar frio encarando seu irmão. “Talvez seja porque nossos pais morreram há poucos meses, talvez porque descobrimos as dívidas secretas do nosso pai ou quem sabe pelo fato de termos perdido a casa e tudo que tínhamos para pagar. Talvez, Theo, seja o fato de você não ter arranjado emprego graças às suas referências envolvendo brigas por onde você passa. Claro que não pode faltar a assistente social ameaçando me pôr num orfanato se você não puder nos sustentar - isso que ela nem sabe que estamos morando num carro. Num carro!” Ao gritar a última frase, Corey se deu conta do próprio estado e parou, retirando o olhar de seu irmão e olhando para a estrada outra vez. Um nó se formou em sua garganta.  Outra vez houve silêncio. Mas foi breve. O garoto continuou: “Eu não aguento mais isso, Theo. Eu perdi tudo. Parece que eu tô num pesadelo e não consigo acordar.” Então olhou para o mais velho novamente dizendo: “Se você não achar um emprego hoje, acabou pra nós. Amanhã é o dia da assistente social nos visitar e ela foi clara da última vez quando contou que me levaria com ela se você estivesse desempregado. Imagina quando ela souber que faz duas semanas que estamos num carro…” Theo queria ter uma resposta depois da explosão e desabafo de Corey, porém não tinha. Ele entendia o caçula perfeitamente, talvez até melhor, já que agora era o adulto, mesmo tendo apenas dezenove e Corey dezesseis. Era ele o responsável agora.

Quando o mais novo saiu apressado do carro, deixou claro que queria ficar sozinho. Theo sabia que seu irmão só queria chorar um pouco, como fazia “escondido” à noite ou quando Raeken se ausentava para as entrevistas ineficazes, reencontrando o caçula de rosto lavado para disfarçar o inchaço... Depois que seu irmão se afastou indo em direção ao posto de gasolina longos metros à frente, mas visível, foi Theo quem desabafou batendo várias vezes com as mãos na direção enquanto soltou um grito que misturava raiva e frustração. Em sua vida ele falhou em várias ocasiões, mas agora era diferente. Corey foi tudo o que restou. Errar dessa vez estava fora de cogitação. A entrevista na mansão dos Dunbar era sua última chance e ele faria de tudo para dar certo. Seu futuro dependia disso e por nada no mundo entregaria seu irmão para quem quer que fosse.

Mais de meia hora depois, Corey estava de volta. Rosto lavado, claro, porém sua expressão voltara ao normal. “Eu não devia ter falado daquele jeito. Eu…” Theo o interrompeu afirmando estar tudo bem e que se sentia assim também. Dito isso, foi categórico ao dizer que faria qualquer coisa para passar na entrevista. "Tudo bem se não conseguir. Eu não quero mais ser um peso.”

“Nunca mais diga isso, Corey! Você não é. Na verdade, você é a única coisa que dá sentido pra minha vida atualmente.” Aquelas palavras saíram tão naturais que atingiram o mais novo como uma tijolada, uma vez que a verdade sempre é assim: um soco no estômago. “Você só falou a verdade. Eu era um inconsequente, mas tudo que a gente tem passado mudou tudo. Sei que é difícil de acreditar, eu mesmo não acreditaria se fosse você; mas te juro que vou conseguir. Vou trabalhar naquela casa e teremos um lugar pra ficar e nos livrarmos daquela mulher. Ela não vai te levar pra lugar nenhum. Não vai!” A última frase disse mais a si mesmo que para qualquer um.”

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