Capítulo III

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Estava acontecendo de novo.

Lilith vinha sentindo dores intensas desde o dia anterior, mas aquela era de longe a pior, sem conseguir conter um grito ela se apoiou na parede do beco imundo em que estava, levando a mão a sua barriga ela acariciou o volume ali desejando mais do que qualquer coisa que a dor parasse, que aquela criança só sumisse.

Ela nunca quis ser mãe, era um medo que muitas vezes sentiu, afinal com o trabalho dela era um risco recorrente, mas ela sempre se cuidou e realmente chegou a acreditar que conseguiria.

Ao menos se ela não tivesse bebido demais naquela noite, se ela não tivesse aceitado uma cerveja de um estranho talvez não tivesse acordado nua em um quarto de um motel qualquer.

As memórias do desespero que sentiu naquele dia unidas a pontada de dor alucinante que sentiu arrancaram um outro grito de agonia de sua garganta já machucada.

— Faça parar, por favor, qualquer um.

O sussurro escapou por seus lábios enquanto ela deslizava pela parede sentando no que parecia uma poça de urina e fechando os olhos.

— Você quer que acabe?

Lágrimas deslizaram por seu rosto quando ela respondeu engasgada.

— Por favor.

Em qualquer outra situação ela questionaria e até se assustaria com uma voz assustadora e ecoante como aquela vindo do nada e falando com ela, mas naquele momento seus pensamentos já tinham se tornado confusos, o sangue que lhe escorria pelas pernas era em uma quantidade muito grande para ser saudável.

Mas então tudo pareceu parar.

O barulho dos carros, gritos e buzinas pararam, a chuva cessou, e Lilith sentiu mãos frias como gelo porém macias e gentis segurando seu rosto, ela tentou abrir os olhos, ver quem estava ali com ela, mas era impossível, parecia que alguém tinha lhe tapado a visão, porque quando os abriu tudo que viu foi escuridão, como se estivesse usando uma venda, descobriu ao tentar gritar que sua voz também falhava, não que isso tenha a impedido de chorar ou implorar quando teve a assustadora sensação de que seus batimentos cardíacos diminuíam, seu coração parecia prestes a parar quando as mãos em seu rosto congelaram e foram repentinamente arrancadas.

Então de repente ela podia ver e ouvir de novo, e o que ela testemunhou foi absolutamente nada, não havia ninguém naquele beco além dela, mas não havia tempo para pensar nisso, não quando uma forte contração a atingiu e involuntariamente ele fez um movimento de empurrar.

— Não!

Ela não queria, não estava pronta para isso, aquela criança não podia nascer.

— Está tudo bem, querida.

A voz que lhe sussurrou ao ouvido era suave e melódica, aconchegante até, fechando os olhos ela sentiu a parede em suas costas ser substituído por um corpo quente e macio cujos braços lhe circundam, ela abriu a boca pronta para agradecer aquela alucinação, mas foi um grito que saiu quando outra forte contração a atingiu.

— Por favor, eu não quero, tire isso de mim.

A pessoa pareceu ficar repentinamente parada e então sussurrou.

— Você não sabe o que diz, menina tola, essa criança que carrega é muito importante.

Ela não podia ver que importância um bebê vindo dela poderia ter mas não disse nada, o choro que lhe escapou impediu qualquer palavra.

E assim a noite continuou, o choro e gritos de Lilith sendo abafados pelos característicos sons de Nova York, muitas vezes ela implorou, mas a voz não a deixou parar, se ela ao menos conseguisse se virar, ver quem era, mas seu pescoço parecia paralisado e tudo que ela podia fazer era empurrar.

Até que finalmente um choro suave foi ouvido e ela sentiu uma última carícia em seu rosto antes que aquela presença se afastasse e lhe abrisse as pernas, ela supôs que a pessoa pegou o bebê já que o choro parou.

— Ela é perfeita.

Menina, ela tinha uma filha, nada a preparou para o carinho que lhe preencheu o corpo, abrindo os olhos ela teve vontade de gritar quando percebeu que tinha sido vendada novamente, ela levantou os braços usando suas últimas forças.

— Por favor, deixe-me segurá-la.

Se fez silêncio por alguns segundos antes que ela sentisse um pequeno embrulho ser colocado em seus braços, encostando o rosto na criança em seu colo e sentindo seu cheiro ela disse.

— Você tem que levá-la.

Quando não houve resposta ela levantou a cabeça percebendo então que já podia enxergar novamente.

E que não havia absolutamente ninguém naquele beco.

Ela tinha imaginado tudo aquilo? Tinha sido sua mente tentando enganá-la para que não percebesse que estava sozinha durante o parto?

Baixando os olhos para o pacotinho em suas mãos ela esperou que a felicidade chegasse e um sorriso a tomasse, mas nada aconteceu, ela não sentia nada.

Sem saber muito bem o que fazer ela raspou os nós dos dedos pela parede, assistindo a pele se abrir e o sangue vazar.

Mas ela não sentiu nada 

Não houve dor, tristeza, felicidade ou amor, tudo que ela sabia é que estava cansada, se ao menos ela pudesse deitar e nunca mais acordar...

Começou como um transe, os primeiros movimentos foram involuntários, como se ela fosse só uma marionete, mas depois a determinação a preencheu e tudo que havia em sua mente era o conhecimento do que tinha que ser feito, não houve questionamentos quando ela encontrou uma cesta totalmente preta com um cobertor da mesma cor dentro na saída do beco, ela simplesmente colocou a bebê lá dentro e continuou andando, ninguém pareceu se incomodar com uma mulher andando por aí com as pernas vermelhas e um rastro de sangue atrás.

Ninguém viu quando uma cesta foi deixada na porta de um orfanato.

Ninguém se importou quando uma mulher cortou os próprios pulsos em uma praça qualquer.

Afinal, quem se importaria com uma prostituta e sua filha?

A Princesa dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora