4- Porto Seguro

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Phadbok sentia que havia evoluído muito como pessoa naquele ano. Agora que namorava alguém que realmente amava, ele percebia o quão superficiais e insignificantes suas últimas relações haviam sido.
Mesmo tendo se desculpado com todas as pessoas de seu passado que conseguiu encontrar, ele ainda carregava parte do peso da culpa. Mas que o fazia se sentir melhor era o apoio que recebia de Sab, e de alguns novos amigos.
Apesar das mudanças impressionantes, tornar-se uma pessoa melhor é um desafio que se carrega até o fim da vida, e Phadbok sabia disso. Ainda existiam sentimentos conflitantes dentro dele, e era preciso continuar se esforçando diariamente para compreendê-los. Um desses sentimentos complicados era a sua raiva.
Quando sentia-se minimamente ofendido ou injustiçado, Phadbok era dominado por uma raiva desproporcional. Sua primeira vontade e impulso era sempre ofensiva, e era difícil se controlar. O que ele andava fazendo era respirar fundo 10 vezes antes de tomar qualquer atitude.

Naquele dia, Phadbok estava saindo da sua última aula quando acabou escorregando em um piso molhado e caiu com tudo no chão, na frente de um monte de gente. As pessoas no corredor tentaram abafar suas risadas, mas a humilhação era óbvia. Ele quis gritar com cada um deles. Foi necessário sair de lá o mais rápido possível para evitar meter o soco em alguém.
Já um pouco distante, Phadbok acabou encontrando seu namorado no caminho. A visão de Sab já o acalmava bastante, mas de repente a raiva tornava-se uma espécie de dor ou melancolia.
- P'? Você tá bem? - Sab perguntou logo de cara, percebendo as emoções intensas em sua expressão.
Sem saber o que dizer, Phadbok apenas realizou seu desejo repentino de abraçá-lo apertado.
- Calma, eu tô aqui - Sab tentou consolá-lo. - O que aconteceu?
- Eu... caí - ele respondeu, tentando explicar o motivo da sua angústia - e as pessoas riram de mim. Eu quis tanto gritar... e brigar... e fazer cada um deles se arrepender profundamente de rirem da minha cara, mas eu não fiz nada disso... e agora me sinto um fracote.
- Ei... tá tudo bem... - Sab esticou o braço para um leve cafuné, ainda permitindo que ele o apertasse o quanto quisesse. - O que acha de irmos tomar um sorvete? Acho que vai te ajudar a se sentir melhor. Eu já estava vindo aqui para te chamar pra sair de qualquer jeito...
- Pode ser - Phadbok suspirou, e esboçou um leve sorriso. - Eu adoraria.

O casal foi direto até a unidade mais próxima da sua sorveteria favorita, que frequentavam sempre que podiam. Aquele sorvete trazia boas lembranças do seu primeiro encontro.
Desde que começaram a namorar, virou quase um ritual pedir potinhos de dois sabores, preenchendo-os metade com o favorito de Sab e metade com o favorito de Phadbok.
- Aqui... - assim que se sentaram, Sab estendeu uma colherada de sorvete para o namorado, mas recuou pouco antes que ele pudesse abocanhá-la. - Só ganha sorvete se me der um sorriso.
Phadbok ficou decepcionado com a expectativa quebrada tão de repente, mas não pôde deixar de tentar fazer o que ele pedia. O sorriso fofo que Sab deu ao ter seu pedido atendido foi suficiente para que ele sorrisse naturalmente depois disso.
- Pronto, agora sim - Sab cumpriu sua promessa, e tanto o gesto quanto o sorvete consolaram Phadbok um pouco mais. - Olha... eu sei que é meio complicado, mas você pode se abrir comigo, ok? Sobre essa coisa toda da raiva e de se sentir um fracote. Sou seu namorado... quero poder te acolher e te ajudar.
- Eu... - ele não conseguia pensar em desculpa alguma para fugir daquilo, além da verdade. Ser sincero podia ser apavorante, mas no momento era ele sentia que era necessário - não quero que você volte a pensar que sou uma pessoa ruim. Talvez seja melhor eu lidar com essas coisas sozinho até melhorar por completo.
- Ei... relaxa - Sab segurou sua mão livre. - Todos temos problemas e sentimentos desagradáveis. Não estou aqui pra te julgar, e não vou deixar de te amar por isso.
- Promete? - Ele perguntou, inseguro.
- Prometo.
- Okay... - Phadbok cedeu. - É só que... eu ainda sinto muita raiva de vez em quando, por motivos que agora eu sei que podem ser muito idiotas. Eu tenho conseguido me segurar, mas a raiva continua vindo, e às vezes depois eu fico me sentindo bem mal. Acabo me sentindo um perdedor e um covarde por não me defender, sabe? Mas eu sei que o que eu fazia antes trazia mais problemas que soluções.
- Tem algum motivo específico para você se achar um "perdedor", um "fracote" ou um "covarde"? Alguém já te chamou assim antes?
- Bom... o meu pai... algumas vezes.
Sab suspirou com a resposta, chateado. Ele já tivera algumas dicas de que o pai de Phadbok não era lá das melhores pessoas, mas sempre sentia-se mal quando ouvia mais detalhes sobre. Não era justo nem saudável que um pai tratasse um filho daquele jeito.
- Bom, saiba que você não é nenhuma dessas coisas, e que seu pai precisa de uma terapia - Sab disse logo depois de mais uma colherada, com sua cara de indignação suja de sorvete.
Phadbok deu risada, bobo com a fofura do namorado, e limpou os cantos de seus lábios com o dedo, apenas para levar à própria boca depois.
Ele realmente ama quando isso acontece, certo? Pensou Sab. Vou ter que me sujar mais então.
- Mas eu tô falando sério. Você não deveria pensar isso de si mesmo - ele continuou - ainda mais depois de tomar uma atitude prudente em vez de uma violenta. Autocontrole também exige força. Na verdade, exige mais força e habilidade do que dar um soco. Se você não está se deixando levar por coisas idiotas, significa que está ficando mais forte, não o contrário.
- Tem razão... eu não tinha pensado por esse lado - disse Phadbok, entre suas colheradas de sorvete.
- E outra coisa importante é: tudo bem sentir raiva. Raiva é algo natural, e algo necessário. Raiva é o que leva as pessoas a se rebelarem em situações de opressão e a buscar por justiça quando necessário. Você tem uma raiva poderosa, e isso pode ser muito útil algum dia, mas a gente precisa entender o motivo de você ficar tão bravo por coisas pequenas. Assim você se conhece melhor e fica mais fácil ter controle da situação.
- Então... eu não sou uma pessoa ruim por ficar tão bravo?
- Não. Claro que não. Além de ser um sentimento natural, você é mais que os seus sentimentos, não é? A raiva vem, e a raiva passa. Simples assim - Sab sorriu e levou seu dedo à boca de Phadbok para limpá-lá também. - E você não é o único que se suja - ele riu - viu só? No fundo você é um neném. Aposto que sua raiva é só um mecanismo de defesa super estimulado. Mas vou te mostrar que você está seguro agora, e vai ficar tudo bem.
- Você é um amor... - Phadbok disse, corado - mas eu não sou um neném.
- Ah, é sim - Sab apertou sua bochecha.
- Hm... se eu aceitar isso, você passa o resto da tarde comigo?
- Com certeza, neném - Sab riu.

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Os dois passearam mais um pouco, caminhando pelo quarteirão, até passarem em frente à academia e encontrarem Mark e Kit, por coincidência.
- E aí? Como estão? - Mark perguntou.
- Bem - Sab respondeu, sorrindo. - Acabamos de tomar sorvete.
- A gente aqui morrendo na academia e vocês dois tranquilos na sorveteria - Kit brincou.
- Vocês vêm aqui sempre? - Phadbok questionou.
- Sim, a gente vem se exercitar juntos toda semana - Mark contou - E quando o P'Kit fica bravo eu trago ele pra atacar o saco de pancadas, daí ele se acalma rapidinho - ele disse em tom de brincadeira, por mais que fosse verdade.
- Funciona mesmo? - Phadbok perguntou para Kit.
- Pra mim funciona bastante sim - ele respondeu.
- Olha só, amor! Podemos vir juntos de vez em quando - Sab sugeriu. - Pode te ajudar também.
     Mark e Kit riram, sabendo da cabeça quente de Phadbok, mas a verdade é que eles não faziam ideia do quanto o conselho havia sido bom.
- Okay - ele sorriu de leve. - Viremos treinar juntos qualquer dia então.

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Sab e Phadbok resolveram ir para o dormitório de Sab, onde se tacaram na cama, cansados do dia cheio na universidade. Ainda estava muito cedo para dormir, e não haviam nem sequer jantado ou tomado banho ainda, então ficaram apenas ali abraçados, curtindo a companhia um do outro.
- Sab... - Phadbok chamou.
- Hm...
- Eu não ganhei nenhum beijo hoje - ele disse, brincalhão, e internamente se perguntou quando havia se tornado tão carinhoso e carente.
- Verdade... vem aqui que eu te dou um monte então - Sab sorriu, selando seus lábios e trocando de posição, fazendo-o deitar em seu peito. - Hoje é minha vez de te mimar. Aproveite e apenas relaxe, okay? Quero que pense no quanto é forte e amado. Nada muda isso. Vou cuidar de você, e posso até te dar um saco de pancadas de presente se for te ajudar.
- Eu te amo muito - Phadbok suspirou,
entregando-se às carícias e cuidados de Sab. Um sorriso veio acompanhado de uma sensação nova de conforto, que o fazia se perguntar como vivera por tanto tempo sem aquilo. Ele finalmente se sentia seguro.

Facetas - SabPhadbok (Gen-Y)Onde histórias criam vida. Descubra agora