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○ A i s h a ○

As semanas passaram tão rápido que de repente Sage estava em casa e Aspen veio junto. Na última sexta-feira fomos juntas a uma pizzaria, no final as mocinhas tiveram a brilhante ideia de irmos a um bar inaugurado recentemente, encheram a cara de álcool e eu fiquei de babá. 

— Boa tarde, princesas. Isso são horas de acordar? —  vieram andando até o balcão da cozinha, uma delas resmungou algo praticamente inaudível e precisei de todos os meus neurônios para descobrir o que era. Desisti. — Escovem os dentes, tomem um remedinho, se alimentem direitinho e não quebrem nada, estou saindo. Amo vocês. — avisei literalmente agarrando a maçaneta e indo embora.

Eu tinha uma garrafa com água, barrinhas de proteína, um conjunto terracota e um sonho. Dirigi tranquilamente até a academia, durante os sábados e domingos eu iria às catorze horas e ao decorrer da semana viria às dezoito. Meu treino era dividido em musculação no primeiro andar, e balé no segundo. 

Hoje era balé, mas queria levantar algumas barras, concentrar toda raiva em minha força física, era melhor assim. O balé é tão alegre e ao mesmo tempo melancólico, enquanto levantar, agachar, puxar e empurrar pesos era odioso. A melhor válvula de escape para extravasar.

Nas duas modalidades minha mente ficava em completo silêncio, as músicas tocadas no ambiente, os homens suados fazendo barulhos constrangedores e execuções duvidosas e as mulheres de meia idade no mesmo barco.

Eu tinha o péssimo hábito de me comparar com qualquer corpo que em minha cabeça era lindo e impecável. Minha curvas eram bem avantajadas, não era repleta de músculos, eu era em grande parte gordura, celulites e estrias. Era infeliz comigo mesma, estava no processo de mudança e conseguiria atingir meu objetivo, não esperava a magreza, mas sim, o peso ideal para meu tamanho e idade.

•••

A chuva caía e me molhava durante o trajeto até o carro, era forte e meu casaco verde oliva estava grudado na minha pele. Entrei encharcando o banco e mirei meu reflexo no retrovisor, ri baixinho com o estado do meu cabelo, cachos molhados pareciam minhocas agarradas ao meu rosto.

Praguejei mentalmente ao perceber que o limpador do parabrisa estava lento demais, o açoite das águas era agressivo e me fazia pensar sobre esperar passar, o que provavelmente não aconteceria tão cedo, mas, de qualquer forma eu precisava chegar o quanto antes a casa.

Avancei o semáforo verde e segui meu caminho com cautela. Ao chegar, prepararia um banho quente e tomaria um xarope para prevenir um possível resfriado. Meu celular tocou na bolsa preta, ignorei a chamada e ele tornou a tocar, talvez fosse uma emergência.

Direcionei minha mão ao zíper e pesquei o aparelho. A chuva não dava trégua e no mesmo instante larguei, era perigoso demais, acidentes acontecem exatamente por isso.

De repente vi algo escuro e freei, não a tempo suficiente de bater contra algo grande o bastante para ser uma pessoa. Meu coração bateu mais rápido, minha boca secou e eu tremi esperando que tenha sido leve.

Saí do veículo e fui verificar o homem tentando levantar, seu casaco preto encharcado desenhava todos os músculos existentes em seu corpo, estendi a mão para ajudá-lo a levantar e os olhos de Sebastian encararam minha mão aberta.

O que ele faz andando numa tempestade como essa?

Seu peso quase me fez cair, e ainda não tínhamos trocado nenhuma palavra desde o ocorrido. 

— O Senhor está bem? Quebrou alguma coisa? Posso levá-lo ao hospital mais próximo.

— Sim, estou bem Senhorita Bianchi, muito obrigado. Acredito que eu não tenha quebrado nada, mas meus ovos não tiveram a mesma sorte. — ruborizei na hora, que conversa era aquela?

Ele indicou com a cabeça as sacolas caídas e molhadas — destruídas — no chão. As gemas corriam para fora das embalagens, cascas espalhadas estavam expostas e rapidamente a chuva levava para o bueiro mais próximo.

— Sinto muito, Senhor. — ajoelhei no chão para ajudá-lo com as outras sacolas e a água impiedosa nos atacava sem compaixão. 

— Tudo bem. — recolhemos tudo e abri a porta do passageiro para retirar minha bolsa do assento.

— Posso dar uma carona, entre no carro. — ele não poderia recusar, e nem mesmo pensou duas vezes, não com a chuva destruindo tudo.

Dentro do carro respirei fundo, depois desse episódio de chuva, precisaria aumentar a dose de xaropes e chás para combater o resfriado que já sentia acumulado em meu nariz. Olhei Sebastian, seu peito subia e descia ofegante, seus lábios tremiam com o frio e as gotas de água corriam por todo aquele corpo escultural.

— O que fazia andando nessa tempestade? — indaguei desviando o olhar quando aquela imensidão castanha me encarou.

Liguei o carro sem mais delongas.

— Estava correndo, fui ao mercado e quando saí, a chuva me pegou. — sua voz parecia mais leve sem o peso do trabalho — Você também, ao que parece.

— Não parece do tipo que corre, Senhor. Com todo respeito. — comecei, talvez essa fosse uma forma de mudar os maus-tratos no trabalho.

— E que tipo eu pareço, Senhorita Bianchi?

— Do tipo que tem um milhão de empregados e eles correm para que não precise se cansar. — fui sincera — Onde mora, Senhor? 

Quando ele me disse, não fiquei abismada, o bairro mais nobre de Florença era onde ele morava, seu berço realmente era de ouro. Um belo prédio alto e que exalava riqueza.

— Obrigado, Senhorita Bianchi.

— Senhor, tem certeza que não se machucou na batida? — assentiu — Peço perdão pelo ocorrido, não consegui ver nada.

— Estou bem, eu vi seu carro, calculei errado, pensei que dava tempo de passar. Até segunda, Senhorita Bianchi. 

— Até. 

Voltei a casa. Prestando mais atenção dessa vez, não queria atropelar mais ninguém. Sorri apertando o volante, talvez Sebastian Antinori não seja tão terrível assim.

○ S e b a s t i a n ○

Que dia atípico. Corri, fui atropelado, meus ovos quebraram, Bianchi me trouxe a casa, trocamos palavras dignas de uma conversa decente e não farpas. Sua voz era tão doce fora do trabalho, lá somos realmente muito formais, visto que o ambiente exige isso. Talvez fosse o primeiro passo para uma relação melhor.

Mexi nas sacolas ensopadas e comecei a tirar as compras de dentro. Lavei cada item e sequei um por um, descartei as sacolas que já se degradavam e fui tomar um longo banho quente. 

O vapor saiu do banheiro comigo, enrolei uma toalha na cintura e caminhei em direção à sacada, ainda chovia, debrucei-me na grade de proteção e visualizei a cidade inteirinha, bem iluminada e adormecida, não era possível ver ninguém nas ruas. Isso me fazia questionar se minha mulher estava bem, se tinha chegado em segurança. Não dava a mínima por ser cedo demais pensar dessa forma, ela seria minha, e era muito determinado com meus objetivos.

Ela vestia um conjunto terracota de treino, sua pele era abraçada pelo tecido liso e tão absurdamente atrativo ao tato. Pensando dessa forma eu posso parecer maluco, mas era inevitável olhar aquela deusa e não pensar em seu prazer noturno quando ninguém está olhando, em beijar sua pele molhada assim que atravessar a porta de sua casa...

Ela merecia ser adorada.

A partir de hoje, eu faria isso.

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⏰ Última atualização: Oct 29 ⏰

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