AS BRUXAS

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“Mas e se o demônio é apenas uma mulher que foi banida para o inferno, para alimentar as chamas, como castigo por ter enfrentado os homens?”

- Lilith.

Vardø, Noruega. Ano de 1621.

Com vinte e cinco anos, eu morri pela primeira vez.

O tilintar das correntes, o cheiro da pólvora, o gosto de ferro na boca, as roupas rasgadas que se arrastavam pelo chão e se agarravam nos meus pés machucados, tudo ardia como o inferno.

Não! O inferno não era nada comparado à dor que eu sentia nesse momento. Muito mais do que um simples pé mutilado, ossos quebrados ou açoites: a dor física não poderia se comparar aos estragos que meu psicológico suportaria por toda a eternidade.
O céu parecia uma estonteante pintura, conseguia imaginar como seria se eu o tocasse mesmo que por um segundo, a magia de voar para qualquer lugar. 
Liberdade. A palavra deslizou como mel por entre meus lábios entreabertos, soando tão confortável na língua que poderia facilmente sussurrar ou gritar que o efeito seria o mesmo. Desejo ser livre.

Minha mente se perdeu em memórias no mesmo instante em que o homem me puxou para o pequeno palanque de madeira. As vozes ao meu redor escapuliram como areia por entre meus dedos calejados. Me sentia submersa, nadando por entre as memórias que me trouxeram até esse fatídico dia, o dia que não mais haveria dor.

Mãos ásperas tocaram minhas pernas, obrigando-me a juntá-las, minhas próprias mãos já se encontravam amarradas ao redor do enorme tronco de madeira, conseguiria sentir o cheiro do carvalho se tentasse com mais afinco, mas o sangue escorrendo por meu nariz atrapalhava minha percepção.

Palhas foram colocadas próximas aos meus pés, o contato me causava coceiras, quase quis rir, quase. Talvez se fosse minha amada Amélia com suas folhas de chá me fazendo cócegas, eu conseguisse soltar uma grande gargalhada encantada. Mas minha situação atual não se parecia nem um pouco com as adoráveis memórias.

Ah… Minha doce e querida Amélia. Olhei para o lado onde seu corpo se encontrava pendurado por uma corda grossa, os olhos sem vida fixados em mim, as marcas nos pulsos e os hematomas que cobriam seu rosto tão belo, o torso nu e exposto, me causava sentimentos de repulsa e nojo, não por ela, por todos os homens que olhavam com luxúria seu corpo desfalecido. Doentes… Cruéis.

O calor repentino me trouxe à realidade longe dos olhos cor de mel, sentia a ponta dos dedos ardendo e se desfazendo em sangue e pele. Meus olhos presos nas chamas que cresciam e tomavam parte por parte do meu corpo miúdo.
A dor era alucinante, um milhão de anos não seria tempo o suficiente para descrever o quanto meu corpo parecia quebrar, parte por parte, não pude conter os gritos de dor que se mesclavam a euforia da plateia me vendo queimar.

O fogo tomava cada gota do meu ser, como se cada parte minha pertencesse agora a este monstro obstinado.

Minhas lágrimas não seriam o suficiente para me salvar agora, estava morrendo.

Desejei com todas as minhas forças restantes um mundo onde a dor não existisse, desejei poder viver livremente e voar como um pássaro, sentir o gosto dos bons sentimentos e nunca ter que passar por todo esse tormento outra vez. As preces não seriam atendidas, mas o pensamento confortava minha alma ao menos por milésimos de segundos.

Fechei os olhos pela última vez e desisti de lutar, o fogo não poderia ser vencido, entreguei o que restava de mim e abri os braços para minha velha amiga, a morte.



























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